Profissionais do Mais Médicos trazidos por meio de convênio com o governo de Cuba reclamam da falta de repasse das prefeituras para despesas básicas
08 de fevereiro de 2014 | 22h 38
Pablo Pereira e Fabiana Cambricoli - O Estado de S. Paulo
Cubanos do programa federal Mais Médicos, responsáveis pelo atendimento em unidades básicas de saúde nas periferias de grandes cidades e no interior do País, têm trabalhado sem receber o dinheiro da ajuda de custo prometido pelas prefeituras. Para driblar o atraso, eles improvisam repúblicas, vivem de cestas básicas, recebem "vale-coxinha" e pagam, do próprio bolso, a passagem de ônibus para fazer visitas do Programa Saúde da Família (PSF).
Pablo Pereira e Fabiana Cambricoli - O Estado de S. Paulo
Cubanos do programa federal Mais Médicos, responsáveis pelo atendimento em unidades básicas de saúde nas periferias de grandes cidades e no interior do País, têm trabalhado sem receber o dinheiro da ajuda de custo prometido pelas prefeituras. Para driblar o atraso, eles improvisam repúblicas, vivem de cestas básicas, recebem "vale-coxinha" e pagam, do próprio bolso, a passagem de ônibus para fazer visitas do Programa Saúde da Família (PSF).
Embora o Ministério da Saúde pague as bolsas, cabe às prefeituras arcar com os custos de moradia, alimentação e transporte. A cláusula é uma exigência do governo federal para a participação no programa.
"Em Cuba, disseram que teríamos facilidades que não estamos encontrando aqui. Prometeram, por exemplo, que haveria um carro nas unidades para levar para as visitas domiciliares, mas isso não existe. Temos de pegar ônibus e pagamos a passagem", diz uma médica cubana que atende em uma UBS da capital paulista.
Os médicos têm despesa extra de pelo menos R$ 24 com as tarifas. "Parece pouco, mas faz diferença porque recebemos só US$ 400, e o custo de vida aqui é alto", afirma. A bolsa em torno de R$ 900, ante a de R$ 10 mil paga a profissionais de outras nacionalidades, foi um dos motivos apresentados por Ramona Matos Rodríguez, de 51 anos, para abandonar o programa, no Pará, na semana passada.
Os médicos reclamam também do vale-refeição. "São R$ 180 por mês, dá R$ 8 por dia de trabalho. Onde você almoça em São Paulo com esse dinheiro?", pergunta um médico trazido por meio do convênio entre a Organização Pan-americana de Saúde (Opas), o governo federal e o governo cubano, que fica com a maior parte da bolsa.
Nenhum cubano ouvido na capital quis ter seu nome divulgado com medo de represálias. Eles receberam um comunicado oficial da Secretaria Municipal da Saúde que os proíbe de conceder entrevista sem autorização.
Em Osasco, o maior problema é o atraso no pagamento dos auxílios para moradia e alimentação referentes ao mês de janeiro. "Eles não têm dinheiro para nada", conta um médico sobre a condição dos profissionais trazidos em dezembro. Os cubanos não comentam abertamente os contratos, mas, diante dos atrasos, admitem dificuldades.
Gestores da saúde da cidade da Grande São Paulo relatam que médicos que não recebem a ajuda de custo são transportados em carro do serviço público para as UBSs, de "casa" para o trabalho e do trabalho para "casa". Eles moram ainda em hotéis. "Essa é uma surpresa desagradável do trabalho", disse um médico do programa.
Cubatão também tem situação difícil. No município da Baixada Santista, quatro médicas cubanas foram alojadas em uma casa, em uma espécie de república, na qual vivem com cestas básicas da prefeitura em substituição ao dinheiro da alimentação, que ainda não veio. São Paulo, Osasco e Cubatão são governados pelo PT.
Os atrasos se repetem em Francisco Morato, município dirigido pelo PV. Com nove cubanos, um uruguaio e um brasileiro formado na Argentina, a cidade deveria gastar com cada médico R$ 500 de ajuda de custo e R$ 2,5 mil no aluguel, segundo o convênio com o Ministério da Saúde. Mas, até a semana passada, o pagamento era somente uma promessa.
Notificações. O descumprimento de regras não é exclusividade dos municípios paulistas. Em todo o País, 37 prefeituras já foram notificadas pelo governo federal após serem acusadas de irregularidades. A maioria das notificações foi causada pela falta de pagamento dos auxílios.
De acordo com a pasta, 27 dos casos já foram encerrados, a maioria deles com a regularização. No entanto, a prefeitura de Ceará-Mirim, no Rio Grande do Norte, foi descredenciada. A decisão foi tomada no dia 24 do mês passado, após o ministério tentar, por dois meses, fazer com que o município pagasse os auxílios a três estrangeiros.
Missão. Apesar de tantos problemas, há cubanos que encaram a atuação no Brasil como uma missão humanitária. Yaima Gonzalez, de 29 anos, é um exemplo. Ao lado de dez compatriotas, ela não reclama do atraso nos auxílios em Osasco nem do porcentual recebido de Havana. "O governo de Cuba fez um contrato e estamos aqui para ajudar", diz Yaima, que atuou na Venezuela.
Para matar a saudade da família, os contatos com as duas filhas são diários. "Conversamos por e-mail", conta, lembrando que o contrato vai durar três anos. Quando não está na UBS, a cubana descansa no hotel e passeia pela capital. "Já fui à Rua 25 de Março", diz a médica, com um sorriso no rosto.
Para o cubano Raidel Sanchez Rojas, de 43 anos, que trabalha na UBS Nova Osasco, o estilo de vida dos brasileiros é sua maior preocupação. "Encontramos aqui hipertensão, diabetes, gastrites, obesidade. São doenças que revelam um estilo de vida", diz o médico, em bom português. "Trabalhamos pela prevenção", afirma. Ele também é vítima do atraso dos repasses, mas está otimista. Na semana passada, acreditava que logo alugaria uma casa em Osasco. Enfim, teria um lar.