terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Os assassinatos que assombram Lula


Depois do crime brutal de Celso ocorreram mais 7 assassinatos, todos ligados ao caso e denúncias de corrupção e chantagem que envolveram Lula e o PT.

Por Edson Joel Hirano Kamakura de Souza

Poucos dias depois do assassinato brutal do ex-prefeito petista Celso Daniel, 50 anos, morto em 18 de janeiro de 2002, em Juquitiba, São Paulo, o Partido dos Trabalhadores emitiu nota aceitando a morte como crime comum. Tão rápido quando a aceitação- apesar do sequestro, tortura e o assassinato com 11 tiros - foi a suspeição levantada do envolvimento de políticos graúdos nesse crime, com interesses inconfessáveis.

Em 2002 Celso Daniel era o responsável financeiro da campanha de Lula para presidente e teria descoberto um desvio do dinheiro arrecadado de propinas pagas ao Partido dos Trabalhadores por empresários de ônibus e outras empresas. Santo André é vizinha de São Bernardo, famosa pela sua planta industrial automobilística e base de Lula. Para o Ministério Público, Celso foi vítima de um crime por encomenda. Ele tinha conhecimento do esquema destinado a desviar recursos para sustentar a campanha petista.

Os misteriosos assassinatos nunca explicados

Depois do crime brutal - Celso foi sequestrado quando saia de um restaurante na zona sul de São Paulo - ocorreram mais 7 assassinatos, todos ligados ao caso, denúncias de corrupção e chantagem que envolveram Lula e seu partido, o PT.

Estranhamente o garçom Antônio Palácio de Oliveira foi assinado em fevereiro de 2003. Ele trabalhava no Restaurante Rubaiyat e serviu Celso Daniel na noite que ele foi sequestrado, em 2002. O corpo do garçom foi encontrado portando documentos falsos, com outro nome e sua família alertou que ele recebera R$ 60 mil de algum desconhecido conforme sua conta bancária. Amigos de trabalho de Antônio afirmaram que ele teria sido orientado a se calar sobre conversas que teria ouvido no dia que servira o ex-prefeito e quando intimado para depor afirmou que tanto Sombra como Celso estavam tranquilos no restaurante e que nada ouvira. Sombra e o Secretário da Administração de Santo André e vereador, André Klinger Luiz de Oliveira Souza, foram flagrados numa conversa, gravada pela Polícia Federal, uma semana após a morte de Celso Daniel:

- “Você se lembra do garçom que te serviu lá no dia do jantar? É o que sempre te servia ou era um cara diferente?”, indagou Klinger. “Era o cara de costume”, disse Sombra.

Outro fato estranho ocorreu com a única testemunha do assassinato do garçom, Paulo Henrique Brito: ele também foi assassinado, com um tiro pelas costas, vinte dias depois de ter assistido o crime de Antônio Palácio de Oliveira.

As mortes continuaram em 2003 quando o agente funerário Iran Moraes Rédua - a primeira pessoa que reconheceu o corpo de Celso, na estrada e chamou a polícia - também foi assassinado a tiros enquanto trabalhava.

Dois dias depois de ter dito que tinha informações sobre a morte de Celso Daniel, Dionízio Severo foi assassinado em frente do seu advogado, dentro da cadeia, em 2002. Ele era apontado pelo Ministério Público como elo de ligação entre Sombra e a quadrilha que executou o prefeito de Santo André. Curioso é que Dionízio tinha sido resgatado da prisão dois dias antes da morte de Celso e recapturado depois.

Sérgio Orelha foi assassinado, também em 2002, e tinha fortes ligações com o caso. Foi ele que abrigou Dionízio, após fuga da prisão. Sabia demais sobre o caso. Airton Feitosa, um detento, disse que Dionízio Severo tinha conhecimento que "um amigo do prefeito" estava montando uma armadilha.

Otávio Mercier, um investigador do Denarc, foi morto em seu apartamento invadido por vários homens com quem trocou tiros. Otávio tinha ligado para Dionízio na véspera do sequestro de Celso Daniel.

Outra morte misteriosa foi a do legista Carlos Delmonte Printes, em 12 de outubro de 2005. Carlos afirmou que Celso Daniel tinha sido torturado antes de ser assassinado com 11 tiros.Algum tempo depois de uma entrevista no programa Jô Soares, ele apareceu morto. O caso foi dado com suicídio mas nada foi encontrado em seu corpo que justificasse isso.

Em 2010, Eliana Vendramini, promotora pública que investigou e denunciou o assassinato de Celso Daniel, sofreu um acidente de carro em São Paulo. Seu carro, blindado, capotou três vezes após ter sido abalroada por outro carro, repetidas vezes. O carro que provocou o acidente, fugiu. Ela sofreu escoriações.

Os condenados

Seis acusados pela morte de Celso, pertencentes a uma quadrilha comandada por Monstro, foram condenados: Itamar Messias da Silva Santos, Ivan Rodrigues da Silva, José Edison da Silva, Rodolfo Rodrigo dos Santos Oliveira, Elcyd Oliveira Brito e Marcos Roberto Bispo dos Santos.


Corpo de Celso Daniel, Juquitiba

O acusado de ter encomendado o crime, Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, de 59 anos, morreu em consequência de um câncer no estômago que se espalhou para o fígado e intestinos. Sombra era guarda costas de Celso e dirigia o carro na hora que foi abordado pela "quadrilha de assaltantes". O ex-prefeito foi levado mas, estranhamente nada aconteceu com Sombra que chegou a ser preso durante as investigações, foi pronunciado em 2010 para ser levado a júri popular em Itapecerica da Serra mas seu processo foi remetido para Brasília. O STF anulou parte da instrução processual e a ação voltou ao início.

Algozes velando o companheiro?

Sombra chegou a ser sócio de Ronan Maria Pinto, dono do jornal Diário do Grande ABC e empresário na área  de transporte público. Ronan foi preso na 27º fase da Operação Lava Jato sob suspeita de ter recebido mais de 6 milhões de reais , em 2004, pagos pelo PT para acabar com uma chantagem que envolveria Lula, Gilberto Carvalho e José Dirceu ao crime contra Celso Daniel.

Ronan Maria Pinto e Sérgio Gomes foram condenados, em outro processo, a 10 anos e 4 meses e 15 anos e 6 meses, respectivamente, acusados de participar de esquema de achaque e corrupção contra empresários da região. Ronan recorre em liberdade. Klinger Luiz de Oliveira, então secretário de Serviços na administração de Celso Daniel também foi condenada a mais de 15 anos de prisão.

A família tem esperança

Bruno Daniel, irmão de Celso, afirmou que a família não aceita a tese de crime comum para o caso, tese rapidamente abraçada pelo PT. Bruno conta que no dia da missa de sétimo dia ouviu de Gilberto Carvalho que levava dinheiro do esquema montado na Prefeitura de Santo André para a direção do Partido dos Trabalhadores. Tanto Carvalho como José Dirceu negam. Bruno exilou-se na França onde recebeu a condição de refugiado e Francisco, outro irmão, vivo escondido, fora de São Paulo.

O advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, na época deputado federal pelo PT, afirmou que acompanhou a necropsia do corpo e assegurou que Celso não tinha sido torturado. O legista Carlos Delmonte Printes, porém, disse o contrário, desmentindo abertamente a declaração de Greenhalgh. A tortura, negada pelo PT, é indício que os sequestradores do ex-prefeito não queriam resgate (que nunca foi pedido) mas saber algum grande segredo. E este segredo Ronan Maria Pinto sabe. O legista, em 2005, apareceu morto em seu escritório e a perícia apontou que não havia sinais de violência mas descartou morte natural.

Após a deflagração da Operação Carbono 14, da Lava Jato, no começo deste ano, os familiares do prefeito assassinado tem esperança que "esta nova fase possa lançar luz sobre o que aconteceu naquela época é que é necessário esclarecer por que razão a direção do PT teria remetido, através de esquemas ilícitos, cerca de R$ 6 milhões ao empresário Ronan Maria Pinto, dinheiro com qual ele teria adquirido o jornal do Grande ABC mediante chantagem ao Lula, ao José Dirceu e ao Gilberto Carvalho", segundo disse Bruno em nota do Estado de São Paulo.

O pagamento da chantagem

O dinheiro foi entregue a Ronan pelo pecuarista José Carlos Bunlai, conforme delação premiada a Sérgio Moro. Antes que Bunlai se prestasse a esse serviço, Marcos Valério confirmou que foi procurado por Silvio Pereira, financeiro do PT, para pagar Ronan mas negou-se a falar do assunto com medo de morrer dizendo aos promotores da Lava Jato "que é algo muito grave, muito grave mesmo".

A Operação Lava Jato investiga dinheiro repassado pelo pecuarista José Carlos Bunlai, amigo intimo de Lula, para Ronan Maria Pinto que estaria chantageando o ex-presidente sobre o caso Celso Daniel. Bunlai tomou empréstimo de R$ 12 milhões, no Banco Schahin, cuja operação começou com o Frigorífico Bertin. Segundo Bunlai disse a Polícia Federal, parte do dinheiro foi enviado para Ronan e parte para pagar dívidas da campanha de 2002 e 2004. A PF quer saber por que Ronan recebeu este dinheiro? Em entrevista ao Estadão, Bruno Daniel disse:

"À época da missa de sétimo dia do Celso, meu irmão e eu fomos procurados pelo Gilberto Carvalho, que disse que havia um esquema para arrecadação de recursos para campanhas eleitorais do PT e aliados e que ele próprio (Carvalho) havia levado ao José Dirceu, então presidente do Partido dos Trabalhadores a quantia de R$ 12 milhões no seu 'corsinha' preto", relatou. "Nos perguntamos por que razão ele teria dito isso. A hipótese que a gente trabalha é que isso nos desestimularia a prosseguir nas investigações porque isso poderia representar uma mancha na história do Celso."

A morte de Sombra, de câncer, parece trazer paz para o assombrado Luís Inácio da Silva. Só que não. Entre tantas vítimas da corrupção desenfreada praticada, está um cadáver insepulto que reclama justiça.

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