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terça-feira, 8 de novembro de 2016

Eu, o exorcista


Por Edson Joel Hirano Kamakura Barbosa de Souza

Certo dia de 1979, como repórter numa emissora da região, recebi uma ligação informando sobre uma menina endemoniada.

A parapsicologia era uma pauta interessante no meu noticiário e servia para desmistificar eventos creditadas ao além. Padre Quevedo, professor no tema, sempre afirmava que 99% dos chamados fenômenos paranormais... eram farsas. Quem sabe fosse esse outro caso.

Fui para o endereço, desci do carro e analisei o local. Era uma rua larga sem saída e sem calçamento. Um terreno grande, cheio de plantas, abrigava, à esquerda, uma casa de alvenaria, simples, antiga, pintada de branco e cerca de 30 metros de onde eu estava. À direita, árvores maiores. Uma grande sibipiruna produzia uma sombra imensa e agradável. Era um dia de muito calor. Aproximei-me do portão. Não havia ninguém no quintal enorme. A porta da casa estava fechada. Sentia cheiro de mato. Exceto o sussurro das folhas, tudo estava calmo.

Bati palmas. Repeti as palmadas. Silêncio.
As janelas também estavam trancadas. 
Estranho para um dia quente.

De repente, no quintal, um cachorro começou a latir, nervosamente. Estranhei o som. Não era um latido alertando seus donos da presença de algum estranho, no portão. Um latido incomum, agressivo e nervoso. Tentei localizar o cachorro no meio das plantas e então percebi que ele não latia pra mim. O cão estava com os pelos eriçados nas costas e latia olhando para o lado de baixo, à direita, onde havia muitas árvores. Ele latia para algo que eu não enxergava.

A porta da casa se abriu e aquele que parecia ser seu dono surgiu, assustado. Olhou para o cão que persistia latir para algo que eu não via. O senhor da porta olhava para a mesma direção do cachorro e ora para mim, no portão. Desceu alguns lances da escada e caminhou em minha direção sempre voltando o olhar para os latidos. Mesmo sem entender, permaneci calmo.

- Boa tarde. Sou repórter e soube da existência de uma menina endemoniada nesta casa. Isso é mesmo verdade? - apresentei-me e já perguntando.

O homem voltou-se, de novo, em direção ao cão e quando me olhou, de volta, tinha uma expressão de dúvida e certo receio.

- Sim. É minha filha Sonia - respondeu.
- E ela está possuída, agora?
- Sim. - confirmou o pai. E logo em seguida, com testa franzida, devolveu a pergunta:
- Como o senhor sabe que o demônio esta aqui, agora?

Apontei, com o rosto, em direção ao cachorro e para o lado que latia. Ele apenas concordou com a cabeça.

Caminhamos do portão até a casa, subindo os degraus. A mãe de Sônia estava à porta, esperando, receosa. Antônio, o pai, explicou rapidamente que eu era jornalista e queria ajudar. A sala era muito simples e a casa cheirava pobreza. Passei pelas cortinas de plástico que separavam os cômodos e entrei num quarto.

O quadro era estranho. Uma menina, de uns 12 anos, muito franzina, estava deitada numa imensa cama de casal. Dois homens fortes seguravam seus braços, um de cada lado da cama. Os pés estavam presos pelas mãos rudes de outro homem, um tio. Ela olhava fixamente para o teto.

As histórias narram que, possuídas pelo demônio, suas vítimas ganham uma força indominável. Mas era impossível que uma menina tão frágil precisasse ser presa por mãos tão fortes. Era risível aquela contraste de forças. Precaução? Excesso de zelo? Medo?

Armei meu gravador e aproximei-me da cama, sem medo. Sonia permanecia com um olhar fixo no teto. Olhei pro teto. Não havia forro e as telhas antigas ficavam à mostra. A temperatura no quarto era agradável. Sobre uma cômoda havia uma imagem de santa. No criado mudo, ao lado, uma cruz. A menina respirava fundo mas não emitia sons.
Ela usava um vestidinho de algodão.

Permaneci calado, apenas olhando aquela garota contida por mãos fortes. E todos olhavam pra mim, silenciosos como que esperando por uma ação. Sonia estaria mesmo possuída por algum espírito mal ou encenava uma história assustadora?

- Qual é seu nome? - perguntei com voz calma, colocando o microfone próximo de sua boca. E esperei alguns segundos. Quem sabe algum demônio resolvesse me assustar... e responder usando aquela voz grave e fora de rotação, como nos filmes de terror. Talvez conseguisse a primeira entrevista com um capeta, ria comigo mesmo.

- Você é a Sonia? Seus pais estão assustados. Porque não me responde? Posso te ajudar! - insisti. Silêncio. Sonia ou, seja lá quem fosse, não estava a fim de conversa. O cheiro do mato não existia mais. O quarto estava mais quente. E então comecei a ouvir um som sufocado na sua respiração. O show ia começar?

- Quem é você? - comecei a provocar. - Você está amedrontando a família, não a mim. Seja quem for, responda. Tem medo? Você é um demônio covarde?
Ou você é a Sonia fazendo palhaçada pra assustar a família? Você é uma idiota que vai levar uma surra daqui a pouco. Você nunca mais vai repetir essa estupidez.

Minha intervenção era provocação pura e, para cada pergunta, enfiava ostensivamente o microfone na rosto dela. Ou dele. Aquele que segurava as pernas moveu-se como que esperando uma reação. O gesto dele me chamou a atenção. Olhei pra ele e para os outros dois.

Então, fantasticamente, a menina subiu em velocidade, como que levitasse e sua coluna arqueou-se em semicírculo. Um som gutural irrompeu o local com uma respiração pesada. O espasmo prolongou-se por longos cinco segundos como nunca cinco segundos pudessem ser tão longos no espaço e no tempo. Era um espetáculo que nunca vira antes, além do cinema. Aquela menina frágil de uns 12 anos subia e descia, presa por seis mãos. Antônio, o pai, correu para ajudar o tio. O corpo desceu e a coluna arqueou-se, de novo. A respiração era rápida com estrangulamento na voz. Não falava, mas mantinha um som estranho e persistente.

- Cala a boca! Não tenho medo desta farsa - gritei muito alto. Confesso que naquela exato momento não tinha muita convicção do que dissera. Mas, considerando que fosse uma farsa, Sonia saberia que eu não estava para brincadeiras. Considerando que Sonia, naquele momento, não fosse ela... bem, já tinha ofendido o malévolo e tanto faria uma ou outro.

Os quatro brutamontes que seguravam a menina, suavam. E olhavam pra mim. Certamente e de novo, esperando uma sequência lógica para aquela "sessão de exorcismo" que tinha virado aquela inocente reportagem.

- Quem é você? - insisti sem demonstrar medo. O microfone, meu inseparável microfone, naquele momento era meu único escudo. Por decisão minha já tinha nomeado aqueles quatro cavaleiros do apocalipse como meus anjos da guarda.

O corpo já estava de volta à cama. A respiração desordenada permanecia. O olhar, que antes mirava para o teto, de repente fixou-se nos meus olhos. Levei um susto. O maior susto da minha vida. Aquele ser resolveu me encarar. E sem piscar por longos segundos. Balancei a cabeça, negativamente, como demonstração de dó. Acho que não devia ter demonstrado esse sentimento porque, de novo, levei mais um grande susto.

Aquela coisa soltou um cusparada em minha direção e acertou meu rosto. Uma toalha salvadora me foi trazida. Poderia afirmar que demônios tem boa pontaria.

- Não tenho medo, imbecil! Seja quem for, cai fora! - disse, agora com muita convicção.

Sonia fechou os olhos, o corpo esparramou-se pela cama e ela desmaiou. A família aliviou-se... e eu, nem se fala.

Em alguns minutos a menina franzina acordou, olhou em volta e sentiu-se acanhada. Extremamente tímida, sempre de olhos baixos, envergonhada, sussurrou algumas palavras com uma voz doce e calma, como uma menina de 12 anos.

Soube, muitos anos depois, que Sonia nunca mais se sentiu incomodada com manifestações daquele tipo. Esta história ocorreu em Promissão.