sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

O foro privilegiado precisa acabar



O castigo inevitável, mesmo que moderado, é melhor que uma punição severa com alguma esperança de impunidade. O que traz o temor é a certeza da punição. (Cesare Beccaria)

Por Edson Joel Hirano Kamakura de Souza

Opostamente, em terras brasileiras, a certeza é a da impunidade. Esse é o campo fértil para florescer os desregrados e fomentar a delinquência, em todas as classes, aproveitando-se das brechas das leis, da brandura das penas e do tratamento jurídico diferenciado que vem dos idos tempos e ainda abre suas asas sobre centenas de agentes públicos. Quantos integrantes de cartéis de metrôs, mensalões e petrolões se beneficiarão disso?

No Brasil, a mesma constituição que estabelece o princípio de igualdade também contempla benefícios para algumas castas com mecanismos que no ordenamento jurídico se chama foro especial por prerrogativa de função ou simplesmente foro privilegiado. Estabelece-se a competência penal para o julgamento de determinadas autoridades segundo o cargo ou função que exercem.

Esta figura jurídica veio com a constituição de 1891, dois anos após a proclamação da República e concedia ao senado competência para julgar membros do Supremo Tribunal Federal nos crimes de responsabilidade e ao STF para julgar juízes federais e o Presidente da República e seus Ministros de Estado (art. 57, § 2º).

A Constituição de 1988 concede ao Senado competência para julgar o Presidente da República e seu vice, Ministros do STF, Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União, nos crimes de responsabilidade. Ao STF cabe julgar presidente, vice, senadores e deputados federais, ministros do próprio STF e Procurador Geral da República nos crimes comuns e, assim, sucessivamente até instâncias menores privilegiando uma infinidade de agentes públicos como nunca visto em outros países.

As constituições dos Estados Unidos, Espanha, Suíça, Holanda, não preveem foro privilegiado como a brasileira. Na Itália a Corte Constitucional julga apenas o presidente.

Para Gilmar Mendes, Ministro do STF, o foro especial piora a situação do réu. "As pessoas não sujeitas a ele podem ter três ou até quatro revisões da primeira decisão; aqueles julgados pelo STF não podem recorrer a ninguém", diz ele. "O problema não é o foro, mas a conjuntura do sistema judicial do país" - conclui. Os defensores deste instituto afirmam que sem ele haveria mais chances de pressões políticas e influências nos julgamentos de instâncias menores.

A Associação dos Magistrados Brasileiros, entretanto, quer o fim do foro privilegiado alegando que os tribunais superiores recebem mais processos do que podem julgar favorecendo as prescrições. A AMB fez um levantamento e concluiu que, desde 1988, apenas 4,6% das ações iniciadas no STF foram julgadas e no Superior Tribunal de Justiça, apenas 2,2%. Os números são impressionantes: dos 130 processos recebidos na corte mais alta do país, seis foram concluídos com a absolvição dos réus e treze prescreveram antes do julgamento. Na outra corte, STJ, de 483 ações só 16 foram julgadas com absolvição de 11 e condenação de 5 e 71 prescreveram. Aumentou muito o número de agentes beneficiados pelo foro comparando-se com o período quando foi instituído.

Enquanto se discute a questão, academicamente, dezenas de cínicos e imorais se safam das garras de uma justiça que, quase nunca, é justa. Pelo menos para o povo. O ex-ministro e ex-presidente do STF, Joaquim Barbosa, resumiu, em entrevista a Veja: "O foro privilegiado foi uma esperteza que os políticos conceberam para se proteger. Um escudo para que as acusações formuladas contra eles jamais tenham consequências."