Por Clovis Rossi, 11.09.2014
É de ilimitada desfaçatez a campanha de Dilma Rousseff contra a proposta de autonomia do Banco Central, lançada por sua principal adversária, Marina Silva. Desfaçatez porque o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, do qual Dilma foi gerente e ao qual deve sua eleição, fez até mais do que Marina está propondo, conforme já mencionaram tanto Fernando Rodrigues como Vinicius Torres Freire.
Primeiro, Lula fez o que Dilma diz que Marina fará: entregou o BC aos banqueiros, ao indicar um deles, Henrique de Campos Meirelles, para comandar a instituição, posto que exerceu durante todos os oito anos do governo anterior.
Segundo, Lula deu à presidência do BC o status de ministério, ou seja, tirou-o da subordinação ao Ministério da Fazenda. O ministro não podia mais, portanto, dar ordens a Meirelles, cujos instintos são indiscutivelmente pró-mercado (basta ler seus artigos dominicais nesta mesma Folha).
Terceiro, Lula aceitou que Meirelles comandasse na prática a política econômica, ao ser ele quem fixava pelo menos dois dos preços essenciais de qualquer economia, o do dinheiro (juros) e o do câmbio.
Se é verdade que aumentar juros é fazer o jogo dos banqueiros, como insinua a propaganda de Dilma, então Meirelles jogou o jogo, no governo de que ela era gerente. Quando assumiu, Meirelles elevou os juros já obscenamente altos (25%) para 26,5%. Cruzei com ele em Davos e perguntei como convencera Lula a aceitar. Meirelles contou que dissera ao presidente que, no Brasil, sempre que a inflação chega a dois dígitos dispara. Não chega a ser ciência, mas bastava para dobrar o presidente. Quem não se lembra da inglória cruzada do então vice-presidente José Alencar contra os juros altos? Perdeu sempre.
Lembro-me também de uma vez em que os juros subiram e eu pedi a opinião de Luiz Fernando Furlan, industrial então vestido de ministro (da Indústria, Comércio e Desenvolvimento). Respondeu Furlan: Meirelles fez o que o mercado queria.
O pior, para a tese de Dilma, é que o desempenho da economia na gestão Meirelles, egresso do setor financeiro, foi imensamente melhor do que no período de um BC comandado por um funcionário de carreira, como Alexandre Tombini: o crescimento foi muito maior, a inflação raramente namorou o teto da meta, houve exuberante criação de emprego e a renda salarial cresceu.
Daria, portanto, para dizer que entregar o BC ao mercado financeiro dá mais resultados que reservá-lo para funcionários do governo. Não vou, no entanto, repetir Dilma e cair nesse simplismo. Dar autonomia ao BC é entregar a funcionários não eleitos e, portanto, que não respondem ao público por seus atos o que é de responsabilidade dos eleitos.
Mas Dilma é a última pessoa a ter autoridade política para atacar a autonomia, até porque ela, como seus dois antecessores, dedica à bolsa-juros a maior fatia relativa do orçamento, o que só os nanicos Eduardo Jorge (PV) e Luciana Genro (PSOL) têm a coragem de dizer nos debates.