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segunda-feira, 8 de julho de 2013

Muito além da falta de médicos

Importação de médicos e os cursos de Medicina
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Por Roberto Lobo

O problema da saúde pública no Brasil vai muito além da deficiência no número de médicos e sua distribuição regional. No entanto, este tem sido o foco principal das discussões, embora um médico sem salário e carreira dignos, sem infraestrutura em recursos humanos e materiais, sem programas eficientes de saúde pública governamentais, pode até melhorar o atendimento, mas não resolve os problemas de saúde do Brasil.

Enquanto os Conselhos de Medicina, em sua argumentação, reclamam do excesso de cursos, alguns realmente de qualidade duvidosa, sempre dão a entender que já temos médicos em excesso, por isso são contra a criação de novas escolas. Só que este argumento não é verdadeiro. O Brasil, segundo a Organização Mundial da Saúde, tem 1,7 médicos por habitante, abaixo da maioria dos países semelhantes a nós em desenvolvimento e PIB, conforme mostra a Tabela abaixo.

Médicos por mil habitantes – Dados da Organização Mundial da Saúde

Cuba 6,72
Rússia 4,31
Austrália 3,85
Uruguai 3,74
Coréia do Norte 3,29
México 2,89
Reino Unido 2,77
EUA 2,67
Coréia do Sul 2,02
Brasil 1,76
China 1,46
Chile 1,04
África do Sul 0,77
Índia 0,65

Portanto, cabe perfeitamente estabelecer uma política de crescimento ordenado do número de médicos, desde que haja um adequado controle de qualidade destes profissionais. Um exame dos Conselhos poderia ser um avanço.

Por outro lado, nossa carência não é tanta que implique na exigência de um programa de importação de médicos em larga escala e sem critérios claros de seleção. Muito mais importante seria apoiar os médicos formados no Brasil para que se decidam ir para o interior desde que possam contar com uma boa infraestrutura, bom salário e comunicação rápida e eficaz com os centros médicos mais avançados no Brasil.

Nada contra que se estimule a imigração de médicos competentes aprovados em exames de suficiência bem elaborados e justos. O que se estranha é o açodamento para trazer médicos em quantidade sem a necessária verificação de suas competências profissionais. Quais os critérios para importar os médicos? Avaliações de suas faculdades originais ou definição dos países considerados como produtores de médicos de excelência ou via convênios pontuais e específicos?

A tabela sugere, talvez, a origem da pressão governamental pela importação ampla de médicos estrangeiros, uma vez que há países com óbvio excesso de médicos, que gozam da simpatia ideológica do atual governo e que o governo federal tem se desdobrado para agradar.

domingo, 30 de junho de 2013

Dona Dilma, não me culpe pela sua incompetência

Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio
O dia em que Dilma cuspiu no rosto de 370.000 médicos brasileiros

Juliana Mynssen da Fonseca Cardoso

Há alguns meses eu fiz um plantão em que chorei. Não contei à ninguém (é nada fácil compartilhar isso numa mídia social). Eu, cirurgiã-geral, "do trauma", médica "chatinha", preceptora "bruxa", que carrego no carro o manual da equipe militar cirúrgica americana que atendia no Afeganistão, chorei.

Na frente da sala da sutura tinha um paciente idoso internado. Numa cadeira. Com o soro pendurado na parede num prego similiar aos que prendemos plantas (diga-se: samambaias). Ao seu lado, seu filho. Bem vestido. Com fala pausada, calmo e educado. Como eu. Como você. Como nós.

Perguntava pela possibilidade de internação do seu pai numa maca, que estava há mais de um dia na cadeira. Ia desmaiar. Esperou, esperou, e toda vez que abria a portinha da sutura ele estava lá. Esperando. Como eu. Como você. Como nós.

Teve um momento que ele desmoronou. Se ajoelhou no chão, começou a chorar, olhou para mim e disse "não é para mim, é para o meu pai, uma maca". Como eu faria. Como você. Como nós.

Pensei "meudeusdocéu, com todos que passam aqui, justo eu... Nãoooo..... Porque se chorar eu choro, se falar do seu pai eu choro, se me der um desafio vou brigar com 5 até tirá-lo daqui".

E saí, chorei, voltei, briguei e o coloquei numa maca retirada da ala feminina.

Já levei meu pai para fazer exame no meu HU. O endoscopista quando soube que era meu pai, disse "por que não me falou, levava no privado, Juliana!" Não precisamos, acredito nas pessoas que trabalham comigo. Que me ensinaram e ainda ensinam. Confio. Meu irmão precisou e o levei lá.

Todos os nossos médicos são de hospitais públicos que conhecemos, e, se não os usamos mais, é porque as instituições públicas carecem. Carecem e padecem de leitos, aparelhos, materiais e medicamentos.

Uma vez fiz um risco cirúrgico e colhi sangue no meu hospital universitário. No consultório de um professor ele me pergunta: "e você confia?".
"Se confio para os meus pacientes tenho que confiar para mim."
Eu pratico a medicina. Ela pisa em mim alguns dias, me machuca, tira o sono, dá rugas, lágrimas, mas eu ainda acredito na medicina. Me faz melhor. Aprendo, cresço, me torna humana. Se tenho dívidas, pago-as assim. Faço porque acredito.

Nesses últimos dias de protestos nas ruas e nas mídias brigamos por um país melhor. Menos corrupto. Transparente. Menos populista. Com mais qualidade. Com mais macas. Com hospitais melhores, mais equipamentos e que não faltem medicamentos. Um SUS melhor.

Briguei pelo filho do paciente ajoelhado. Por todos os meus pacientes. Por mim. Por você. Por nós. O SUS é nosso. Não tenho palavras para descrever o que penso da "Presidenta" Dilma. (Uma figura que se proclama "a presidenta" já não merece minha atenção).

Mas hoje, por mim, por você, pelo meu paciente na cadeira, eu a ouvi.
A ouvi dizendo que escutou "o povo democrático brasileiro". Que escutou que queremos educação, saúde e segurança de qualidades. "Qualidade"... Ela disse.
E disse que importará médicos para melhorar a saúde do Brasil....
Para melhorar a qualidade....?

Sra "presidenta", eu sou uma médica de qualidade. Meus pais são médicos de qualidade. Meus professores são médicos de qualidade. Meus amigos de faculdade. Meus colegas de plantão. O médico brasileiro é de qualidade.

Os seus hospitais é que não são. O seu SUS é que não tem qualidade. O seu governo é que não tem qualidade. 
O dia em que a Sra "presidenta" abrir uma ficha numa UPA, for internada num Hospital Estadual, pegar um remédio na fila do SUS e falar que isso é de qualidade, aí conversaremos.

Não cuspa na minha cara, não pise no meu diploma. Não me culpe da sua incompetência.
Somos quase 400 mil, não nos ofenda. Estou amanhã de plantão, abra uma ficha, eu te atendo. Não demora, não. Não faltam médicos, mas não garanto que tenha onde sentar. Afinal, a cadeira é prioridade dos internados.

Hoje, eu chorei de novo.

Juliana Mynssen da Fonseca Cardoso é cirurgiã geral no Hospital Estadual Azevedo Lima, no Rio de Janeiro.