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terça-feira, 16 de agosto de 2016

Pokémon e os professores analfabetos digitais

Aliar-se à tecnologias para melhorar a educação: como fazer isso com professores analfabetos digitais? 

Por Edson Joel

Alessandra entrou na sala dos professores e, entusiasmada, anunciou a descoberta fantástica que acabara de fazer:

- Gente, descobri que existe um tal de Google Map onde você coloca o endereço de destino e ele traça a rota mostrando como chegar lá. E ainda pinta o caminho de azul. Não é maravilhoso?

Se a descoberta da professora Alessandra, de 45 anos, tivesse ocorrida há 11 anos, ótimo. Mas isso tem apenas dois anos e mostra o enorme abismo entre professores e alunos. Como educar uma geração que nasce com smatphone nas mãos e caça pokémons se os professores são analfabetos digitais e ainda utilizam teorias mofadas de séculos passados como seu principal instrumento de alfabetização?

As tecnologias deveriam fazer parte do cotidiano escolar e, no lugar de pokémons, os alunos e seus professores caçariam verbos, adjetivos e soluções matemáticas "escondidos" nas salas de aulas. Os professores deveriam estar, pelo menos, nivelados com o grau de domínio dos seus alunos sobre tecnologias, mas, pasmem, a maioria é analfabeta digital e mal domina seu próprio celular. Estão apavorados com a implantação das secretarias digitais (que estão chegando com um atraso de 20 anos) e insistem em preencher as velhas talas, manualmente.

- Agora que eu estou quase me aposentando não quero saber dessa tal secretaria digital, Deus me livre - disse uma professora, no alto dos seus quase 50 anos. Oras, como entender uma colocação dessas, dentro de um ambiente que tem como única proposta a promoção do conhecimento? Por que a Secretaria da Educação não organiza cursos para treinar esse pessoal que treme ao ouvir falar de computador? 

Mas a culpa pelo caos na educação do país não está apenas na ausência de tecnologias nas salas de aulas ou no despreparo do professor - o menos culpado -, mas nos métodos de alfabetização que não alfabetizam e nas invencionices pedagógicas. E quem diz isso é José Morais, português especialista em alfabetização, emérito da Universidade de Bruxelas, doutor em desenvolvimento da cognição e psicolinguística que defende a neurociência na sala de aula.

O resultado é esse que já conhecemos: o Ensino Básico do Brasil está nas posições mais baixas nas avaliações coordenadas pela UNESCO, na América Latina (em leitura, matemática e ciência ficamos nas posições mais baixas (I e II, de uma escala que vai até IV) e 60º lugar no PISA, de 72 países avaliados). No
Enem 2014 o Ensino Médio, da rede pública, deu novo e enorme vexame.

Cognitivamente - segundo a neurociência - a criança pode aprender a ler aos 5 anos sem influenciar na maior ou menor habilidade para a leitura. Pelo método fônico uma criança brasileira pode se alfabetizar em menos de um ano, com excelente velocidade de leitura e compreensão.

Sabendo ler e entender o que leem, já no primeiro ano do Ensino Fundamental, a criança construirá, então, seu conhecimento, com muito mais facilidade e sem necessidade de se criar "programas de incentivos de leitura" que não conseguirão nenhum bom resultado entre analfabetos.

Em muitas cidades brasileiras o atual método de alfabetização (abençoado pelo Ministério da Educação e endeusado pelos intelectuais unespianos), foi colocado de lado e os resultados apareceram rapidamente. Por exemplo, Brejo Santo, uma pequena cidade com 45 mil habitantes, no Ceará cuja renda per capita é 70% menor que a média nacional, consegue alfabetizar seus alunos já no primeiro ano do Ensino Fundamental (99%) e seus alunos do 5º ano obtiveram excelente aproveitamento em matemática. Muitas unidades da rede da rede municipal chegam a 100%. O IDEB de Brejo Santo, há seis anos, era de 2,9. Hoje, 7,2, melhor que muitas capitais do país. Sabem o segredo? As invencionices construtivistas foram deixadas de lado e o método fônico foi aplicado.

Antes, a justificativa para o fracasso recaia no fato da comunidade escolar ser de baixíssima renda. Pois a mesma comunidade pobre, em menos de 6 anos, deu a volta por cima. Mais um mito derrubado. Na verdade, mais uma desculpa dada pelos pseudo pedagogos do Ministério da Educação contrariada na raiz do problema.

Basta lembrar que os dados do PISA mostram que os alunos mais pobres de Xangai sabem mais matemática que os alunos mais ricos dos Estados Unidos e Europa. Os defensores das teorias se calaram diante da constatação divulgada pelo Programa Internacional de Avaliação de Estudantes - programa criado e ainda coordenado pelo matemático, físico e estatístico alemão Andreas Schleicher - que também fez o favor de publicar outros números que derrubaram vários
mitos da educação.

Atualização em 26.08.2016
Uma diretora de escola infantil de Bruxelas criou um aplicativo que caça livros ao invés de Pokémons. Os livros são espalhados pela cidade e os "caçadores" vão busca-los. Depois de ler, devolvem nos endereços indicados.
 

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Alfabetização no Brasil não alfabetiza


Por Edson Joel Hirano Kamakura de Souza

O português José Morais, doutor em desenvolvimento da cognição e psicolinguística afirma categoricamente que "a alfabetização no Brasil não alfabetiza". Morais defende o envolvimento da neurociência na educação para reformar os pensamentos pedagógicos nas escolas brasileiras e considera que o método utilizado no país não consegue alfabetizar. Sua afirmativa é incontestável considerando os números de todas as avaliações nacionais e internacionais conhecidas e analisadas;

Stanislas Dehaene, neurocientista francês que estuda o tema há mais de vinte anos também afirmou que o construtivismo - teorias de Jean Piaget - e suas vertentes radicais ensinam o lado errado do cérebro e aponta o método fônico como ideal no processo de alfabetização. 

Morais falou, no ano passado, para o jornal O Globo, sobre psicologia cognitiva, pedagogia e alfabetização. “Cognitivamente, as crianças podem aprender a ler aos 5, 6, 7 anos, sem que a diferença de idade se reflita mais tarde em diferenças de habilidade de leitura”, disse. Isso contraria frontalmente a posição de "doutores em educação no Brasil" que defendem que esse processo seja aplicado aos 8 anos. Se alunos das escolas particulares brasileiras são alfabetizados aos seis anos porque os das escolas públicas tem que começar aos 8? 

Que contribuição a psicologia cognitiva pode dar à pedagogia?

A psicologia cognitiva examina os processos mentais em uma grande variedade de situações, incluindo as de aprendizagem. A pedagogia será, portanto, mais bem fundamentada se levar em conta o que a psicologia cognitiva nos mostra sobre a percepção, a atenção, a memória, a imaginação, o pensamento, e sobre o desenvolvimento de todas estas capacidades. E até sobre as relações entre a cognição e a motivação, por um lado; e as emoções e os afetos, por outro lado.

E no caso da alfabetização?

A psicologia cognitiva nos mostra, entre muitas outras descobertas, que a leitura de textos não é uma elaboração contínua de hipóteses sobre as palavras do texto, mas sim, um processo automático, não intencional e muito complexo de processamento das letras e das unidades da estrutura fono-ortográfica de cada palavra, que conduz ao seu reconhecimento ou à sua identificação.

Como é a relação entre a atividade cerebral e a leitura?

A leitura visual não se faz nos olhos, mas no cérebro — a retina, embriologicamente, faz parte do cérebro. Não há leitura sem uma atividade cerebral que mobiliza vastas regiões do cérebro e, em primeiro lugar, a chamada Área da Forma Visual das Palavras. Ela se situa no hemisfério esquerdo do cérebro e não é ativada por palavras escritas nos indivíduos analfabetos. Nos alfabetizados ela é ativada fortemente, e o seu grau de ativação aumenta à medida que a criança aprende a ler. No leitor competente, a leitura de um texto baseia-se no reconhecimento ou na identificação das palavras escritas sucessivamente. À medida que elas são processadas, essa informação é enviada para outras áreas cerebrais que se ocupam do processamento da língua, independentemente da modalidade perceptiva (em particular, o processamento semântico e sintáxico), assim como da codificação da informação na memória de trabalho verbal e do acesso à memória a longo prazo. Tudo isso permite a compreensão do texto e a sua interpretação e avaliação.

Considerando essas atividades cerebrais, existe uma idade ideal para alfabetização? Qual seria?

Hoje sabemos que a plasticidade cerebral é muito maior e mais longeva do que imaginávamos há 30 anos, variando segundo o tipo de aquisição. Cognitivamente, as crianças podem aprender a ler aos 5, 6, 7 anos, sem que a diferença de idade se reflita mais tarde em diferenças de habilidade de leitura. Há crianças que aprendem a ler antes dos 5 anos, mas generalizar isso não parece desejável, porque para o desenvolvimento global da criança, é indispensável que ela passe muito tempo brincando e se relacionando com os outros.

Mas é correto fixar uma idade padrão para alfabetizar?

É uma obrigação social e moral que o Estado fixe a idade de início da alfabetização. Se as crianças da elite aprendem aos 5 ou 6 anos na família ou em colégios particulares, não está certo que as do povo só sejam alfabetizadas (capazes de ler com compreensão e de escrever) aos 8 anos. Está se desviando a atenção daquilo que realmente é importante: a política certa, política de reprodução de privilégios ou política pública realmente democrática.

Suas pesquisas ressaltam a importância dos sons atrelados à palavra escrita e clamam para que a alfabetização tenha mais exercícios fonéticos. Como eles devem ser?

De modo geral, devem ser atividades que conduzam a criança a compreender o princípio alfabético, isto é, o que as letras (mais exatamente os grafemas, o que inclui dígrafos como “ch”) representam. Não sons da fala, mas sim as unidades elementares que os linguistas chamam de fonemas e das quais a criança não toma consciência espontaneamente pelo simples fato de ser exposta a material escrito.

Qual a importância do ditado e da leitura em voz alta nesse contexto?

O ditado e a leitura em voz alta só intervém, obviamente, quando o aluno já entendeu o principio alfabético e já adquiriu o conhecimento de um número suficiente de relações fonema-grafema e grafema-fonema. Ambos são muito importantes para assegurar o sucesso da alfabetização. Através do ditado, aluno e professor podem ir avaliando o conhecimento da ortografia, e, através da leitura em voz alta, eles não só vão avaliando a precisão da leitura como o aluno vai ganhando fluência, rapidez na leitura, que é essencial para a automatização do reconhecimento das palavras escritas e para deixar os seus recursos cognitivos (de atenção, de associação, de memória) para a compreensão do texto.

Os exercícios fonéticos podem ser aplicados ainda na pré-escola?

Na pré-escola é importante verificar a qualidade fonética da fala da criança e também solicitar dela a tomada de consciência de relações como a da rima (mão – pão) ou de partilha de sílaba (va- em vaca e vala) e de fonema (fazer com que a criança se aperceba de que há algo comum no início de porta, pato, pilha, pele, punho). Tudo isso são passos sucessivos que preparam a criança para a sua alfabetização.

É possível aprender a ler de forma natural como aprender a falar, como prega a teoria construtivista?

Se fosse possível aprender a ler de forma natural, como se aprende a falar, não haveria falantes analfabetos, não haveria necessidade de escolas para alfabetizar, não haveria toda esta bagunça a propósito da alfabetização. Claro que se baseia em algo de natural: a linguagem, uma capacidade que resulta da nossa evolução biológica enquanto espécie. Os sistemas de escrita, inventados por civilizações antigas para representar a linguagem (e também, inicialmente, objetos e ideias), são realizações culturais que vão muito além da nossa evolução biológica e que, para serem reproduzidas de geração em geração, exigem intencionalidade, instituições, dispositivos, ensino.

O método de alfabetização proposto pelo Ministério da Educação do Brasil hoje se enquadra em qual teoria? Como o senhor avalia a alfabetização brasileira?

Infelizmente, baseia-se na crença construtivista — chamo de crença porque contraria o conhecimento científico atual. No Pisa (programa internacional de avaliação de estudantes, na sigla em inglês), não houve variação significativa entre a primeira versão, de 2000, e a última, de 2012. O Brasil está muito abaixo da média dos países e quase 80 pontos abaixo de Portugal, que tem a mesma língua, o mesmo código ortográfico, e as diferenças de dialeto deveriam até ser mais favoráveis à alfabetização no Brasil. Só 1 em mil adolescentes brasileiros lê no nível mais alto de desempenho estabelecido pelo Pisa. A taxa de analfabetismo continua demasiado alta e, sobretudo, quase metade da população não lê de maneira competente. O Ministério da Educação não pode continuar a manter uma proposta de alfabetização que não alfabetiza.

Fonte: O Globo