segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Ditos populares: de onde vem essas expressões?

General Marcus Licinius Crassus
Por Edson Joel Hirano Kamakura de Souza

Fulano cometeu um erro crasso. Hoje estou à toa. Ela pensa que tem o rei na barriga e tantas outros ditos populares são repetidos pelos povos, ao longo dos tempos mas, poucos sabem, exatamente, de onde vem seus significados. Se você costuma usa-las, saiba das histórias que se contam de cada uma.

Vá às Favas ou São favas contadas

Favas, na verdade, são feijões brancos ou pretos, de vagens, que eram utilizados antigamente para proceder uma votação. Quando havia dúvidas, a comunidade se reunia e efetuava uma votação utilizando favas. Cada cor representava uma posição contra ou a favor. Os feijões eram colocados numa urna, como uma cédula. Portanto, "mandar às favas" era um pedido para votar, utilizando favas brancas ou pretas. A expressão "são favas contadas" refere-se a algo já decidido, um negócio seguro e certo da aprovação.

Elefante branco

Uma obra que não tem nenhuma utilidade, costumamos chamar de elefante branco. A expressão teria vindo dos costumes tailandeses. O Rei dava um elefante branco para um membro da corte que o desagradava. como punição. O elefante branco era animal sagrado naquela região e, por ser presente do Rei, não podia ser recusado. Restava ao punido passar o resto da vida alimentando e cuidando do animal com máximo zelo.

Erro Crasso

Crassus foi um general romano que subestimou a capacidade de reação dos soldados de Partos e sofreu uma derrota vergonhosa na batalha de Carra, quando morreu aos 61 anos (53 aC) junto com seu filho. Crasso fez parte do chamado Primeiro Triunvirato Romano (Júlio Cesar, Pompeu e Crasso). O general ficou famoso por várias vitórias em guerras, inclusive na Revolta dos Escravos, comandada por Espartacus. Quando alguém comete um erro grave, por negligência, descuido ou irresponsabilidade, diz-se que foi um "erro Crasso".

Ficar à toa

Quando se refere que alguém está à toa diz-se de uma pessoa que não faz nada, a esmo, sem rumo própria, despreocupada, dependente. Toa, na verdade é uma corda que é lançada de um navio a outro para ser rebocado, conduzido ao porto ou a outro lugar. Fulano ficou andando à toa significa, sem rumo. Fulano cometeu um erro à-toa (com hífen) dá sentido de ter cometido um erro desprezível.

Farinha do mesmo saco

Vem de “Homines sunt ejusdem farinae” - homens da mesma farinha - a expressão "Farinha do mesmo saco" numa referência a pessoas iguais, com os mesmos conceitos e crenças reprováveis. Considere que uma farinha de qualidade é ensacada separada de farinhas com qualidade menor.

Com a corda toda ou a todo vapor

A pilha que toca a maioria dos relógios hoje, não existia antigamente e eles funcionavam com um sistema que usava uma peça em forma de espiral que, estirada ao máximo, gerava uma força que acionava várias engrenagens de tamanhos diferentes, movendo os ponteiros. Os brinquedos antigos também se utilizavam esse processo de "dar corda". Dai a expressão "fulano está com a corda toda" para se referir a alguém muito agitado.

"Estamos a todo vapor" é outra expressão antiga que se refere ao andamento célere de um projeto, empresa ou ação comparando-se a um trem que se movia a vapor de água. "Onde aperta o botão que desliga a bateria desse moleque" vem em substituição a "corda toda" e "vamos a jato" no lugar de "todo vapor".

Com o rei na barriga

Entre mulheres você já deve ter ouvido algo do tipo "ela pensa que tem o rei na barriga" ao se referir a outra que considere arrogante. Essa expressão vem do tempo em que as rainhas, quando grávidas, recebiam atenção e tratamento diferenciados considerando que elas estariam gerando um filho herdeiro da coroa que poderia tornar-se rei.  A frase "ele pensa que tem o rei na barriga", biologicamente, portanto, está incorreta.

Ouvidos de mercador

O correto seria "Ouvidos de marcador" e não mercador. Marcador era o nome que se dava a pessoa que marcava os criminosos com ferro quente e que ignorava suas súplicas e os gritos de dor. "Origem das frases", de Orlando Neves, diz que a confusão foi uma corruptela de marcador e mercador. Da mesma forma que "cor de burro quando foge" e não "corro de burro quando foge".
                                                                              
Pagar o pato

A expressão que aponta um culpado ou responsável por algo reprovável vem de um jogo comum na Europa, particularmente em Portugal.

Um pato era amarrado num mastro e o cavaleiro, ao passar pelo poste, deveria arrancar o pato do local. O perdedor pagava o preço do animal sacrificado na disputa.

Corro de burro quando foge

Diz-se que um burro em fuga é perigoso. Imagine um português falando rapidamente a frase. No Brasil entendeu-se "cor" e não corro. Até hoje fala-se errado tal e qual "tramela" e não o correto taramela.

Santa do pau oco

Pessoa que demonstra ser honesta mas é o oposto. Para contrabandear pedras preciosas e ouro para Portugal utilizava-se imagens de santas esculpidas em madeira, ocas.

Salvo pelo gongo

Quando foi diagnosticada a catalepsia - doença que imobiliza o corpo embora as funções vitais permaneçam ativas, em ritmo muito lento e quase imperceptível - algumas pessoas eram enterradas em caixões com um dispositivo que ligava o pulso do morto a um sino, do lado de fora, através de uma cordinha. Uma pessoa ficava alguns dias observando o sino. Naquele período muitos caixões abertos tinham suas tampas, do lado interno, arranhadas por unhas.

Com a corda no pescoço

Antes do enforcamento de um condenado o carrasco aguardava o mensageiro trazendo a confirmação da pena ou sua suspensão, como ato de clemência. Nesses longos minutos o prisioneiro ficava com a corda no pescoço aguardando a execução. A expressão refere-se hoje a pessoas com problemas sérios, ameaçado ou financeiramente ruim.

Comer com os olhos

Na antiga Roma e algumas regiões da África ofereciam-se banquetes aos deuses cujos alimentos não podiam ser tocados. O rei e os convidados apenas olhavam o alimento ofertado, com reverência.

O amigo da onça

A história vem do caçador mentiroso que pôs uma onça em fuga só com um grito exuberante e não convenceu o amigo. Irritado o mentiroso perguntou se ele era seu amigo ou amigo da onça.

Onde judas perdeu as botas

Depois de trair Jesus, Judas enforcou-se numa árvore. Estava sem seus sapatos ou botas. Com ele não encontraram o dinheiro fruto da traição. Todos foram procurar as botas do Judas crendo que o dinheiro estaria lá.

Deixa de nhenhenhém

O significado de nhée, em Tupi, é falar. Quando os portugueses se aproximaram dos índios diziam que eles só ficavam no nhe-nhe-nhen porque não entendiam nada. O sentido hoje é resmungos e lamúrias infindáveis. O nhe-nhe-nhem agora virou mimimi, lamentações irritantes e constantes.

Maria vai com as outras

Diz-se de uma pessoa que não tem personalidade própria e que se convence facilmente seguir a opinião de outra. Conta-se que Dona Maria I - mãe de D. João - quando ficou louca só saia de seu quarto acompanhada por várias damas. Dai "Maria vai com as outras".

Mulher de paquete

A expressão surgiu por volta de 1800 quando, mensalmente, chegava um navio inglês ao porto do Rio de Janeiro. O navio chamava-se Paquete e sua bandeira era vermelha e a associação com a regra menstrual foi imediata.

Lágrimas de crocodilo

O falso choro advém do fato de o crocodilo, quando come sua presa, pressiona o alimento contra o céu da boca e comprimindo as glândulas lacrimais. Não são lágrimas verdadeiras, dai a expressão para se referir a alguém muito falsa.

Jurar de pés juntos

Na Santa Inquisição, quando torturados, os hereges tinham pés e mãos juntados para confessar seus pecados, surgindo dai a expressão.

Queimar as pestanas

Antigamente quando se dizia que alguém estava "queimando as pestanas" significava dizer que ele estava passando a noite estudando muito, à luz de velas. Quer dizer que ao se aproximar da luz para enxergar algo corria o risco de queimar as pestanas.

Fazer à toque de caixa

Os exercícios e marchas militares são comandadas ao toque de caixa, instrumento acústico marcador de ritmo. Vamos fazer à toque de caixa quer dizer executar um serviço muito rápido e sob o comando de alguém.

General Marcus Licinius Crassus, consul da Roma liderou a Batalha de Carra e acabou morto aos 61 anos (53 AC). Crasso subestimou as forças do inimigo ignorando a tradicional formação romana de combate - um erro estúpido para os estrategistas - e ficou famoso pela expressão "erro crasso". Foi ele que derrotou Espartacus na batalha da Revolta dos Escravos.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

A revolta da vacina

Por Edson Joel Hirano Kamakura de Souza

Brasil de 1904. A capital do país era o Rio de Janeiro, a maior cidade brasileira com 720 mil habitantes, então. O presidente Rodrigues Alves chama Oswaldo Cruz para assumir Diretoria Geral de Saúde, o grande problema nacional. O povo morria de febre amarela e varíola durante epidemias que grassavam por todos os cantos. A ignorância era outro grande mal do país que acabara de inaugurar a república.

Com tantas mortes o cientista e sanitarista Oswaldo Cruz lançou uma campanha contra o mosquito transmissor da doença com brigadas de mata mosca, limpando esgotos, ruas, terrenos e caixas d'água. A equipe usava força bruta para entrar nas casas e remover doentes compulsoriamente para os hospitais ou isolados.

Sanitarista Osvaldo Cruz, nascido
em 1872 morreu aos 44 anos,
em Petrópolis

O povo se irritou diante do "autoritarismo" das campanhas e se revoltou quando a vacinação contra a varíola tornou-se obrigatória. No dia 31 de outubro de 1904 a lei foi aprovada pelo Congresso e no dia 4 de novembro daquele ano irrompeu-se o que passou a ser chamada de Revolta da Vacina com graves confrontos entre populares e forças policiais. Dia 14 de novembro os Cadetes da Escola Militar também se rebelaram. Contidos os movimentos contra a vacinação, Oswaldo Cruz voltou ao comando.

- O bem coletivo poderia se sobrepor á liberdade individual? - perguntava a oposição política.

- O bem coletivo poderia se sobrepor à ignorância individual - respondiam os favoráveis a campanha.

A revolta não ocorreu apenas nas ruas mas, nas tribunas e imprensa. Rui Barbosa, o grande tribuno da Haia e então senador da república e contra a vacinação, usando de terror ao chamar a campanha de tirana e violenta, despachou, irresponsavelmente:

"A lei da vacina obrigatória é uma lei morta. .... Assim como o direito veda ao poder humano invadir-nos a consciência, assim lhe veda transpor-nos a epiderme. ..... Logo não tem nome, na categoria dos crimes do poder, a temeridade, a violência, a tirania, a que ele se aventura, expondo-se, voluntariamente, obstinadamente, a me envenenar, com a introdução, no meu sangue, de um vírus, em cuja influência existem os mais fundados receios de que seja um condutor da moléstia, ou da morte."

O povo destruiu a pavimentação de pedras, tombou bondes, quebrou lampiões e arrancou trilhos transformando as ruas do Rio de Janeiro em cenário de desolação. Canhões da marinha e soldados do exército atiraram contra o povo: 30 mortos, 110 feridos e quase mil presos. Os tumultos duraram até 16 de novembro. Muito mais tarde Rui Barbosa reconheceu o erro. A ciência venceu.







quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

A guerra que Napoleão venceu, em conservas.


Por Edson Joel Hirano Kamakura de Souza

O que Napoleão Bonaparte tem a ver com o leite condensado, extrato de tomate, sopas, sardinhas e outros alimentos conservados em latas ou vidros?  Tudo. Tudo mesmo.

Foi Napoleão Bonaparte, o imperador dos franceses entre 1805 e 1815, que lançou um grande desafio: como sustentar centenas de milhares de soldados em constantes deslocamentos em períodos de guerra? O detalhe é que Napoleão vivia guerreando o tempo todo e precisava descobrir uma fórmula de alimentar suas tropas rápida e eficientemente.

Foi então que Nicolas Appert, em 1809, apresentou a Napoleão uma sopa engarrafada e ganhou 12 mil francos de prêmio pela descoberta que revolucionou o planeta: a conservação de alimentos. Appert fez uma sopa consistente e colocou dentro de garrafas de champagne - grandes, grossas e comuns na época  -  lacrou com rolhas de cortiça e ferveu em banho maria. O processo de fervura eliminou germes e bactérias facilitando a conservação do alimento. A sopa engarrafada resolveu o problema de Bonaparte e o front de batalha sempre tinha alimento disponível e com fartura. Nicolas Appert contou seu segredo num livro publicado anos depois. A França, naquela época, ainda não dominava a tecnologia das latas. 

O criador do processo achava que o segredo estava no fechamento da garrafa mas Louis Pasteur, por volta de 1846, mostrou que a conservação dos alimentos ocorria pela eliminação dos microorganismos através da fervura. Foi  Anton van Leeuwenhoek que primeiro descobriu a existência dos organismos microscópicos.

Os vasilhames de vidro foram substituídos por latas de ferro estanhado na Inglaterra que já dominava essa tecnologia. A patente foi vendida por Peter Durand que registrou o processo em 1810. Curioso observar que o abridor de latas só surgiu em 1815. Até então as latas eram abertas com talhadeiras e martelos.
Industrial e inventor Nicolas Appert
Vários inventos ou produtos tem origem bélica, isto é, descobertos ou criados como esforço para vencer guerras. Entre eles o "inocente" e delicioso leite condensado patenteado por Gail Borden em 1856 e utilizado pelas tropas do norte na guerra civil americana ocorrida entre 1861 a 1865. Terminada a guerra os soldados, ao retornarem, falaram do leite maravilhoso que explodiu em vendas em todo mundo.

Pois é, Napoleão venceu sua maior batalha. A batalha contra os micro-organismos e seu grande soldado foi Appert. 

PS: Nicolas Appert, industrial e inventor francês nasceu em  nasceu em Châlons-en-Champagne, na França em 17 de novembro de 1749 e morreu em 1 de junho de 1841. Consta que sua sopa começou a ser comercializada em 1795. Seu livro A arte de conservar alimentos de origem animal e vegetal foi publicado em três edições e vendeu 6 mil exemplares.

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

O que falta para o cinema brasileiro?



Por Edson Joel Hirano Kamakura de Souza

Segundo a Agência Nacional de Cinema (Ancine) o Brasil está produzindo mais filmes. Em 2016 foram 143 longas-metragens contra 70 filmes produzidos 10 anos antes. Mas, a bilheteria de filmes nacionais é um fiasco se comparada com produções estrangeiras.

Basta citar que só 22 filmes, destes 143 lançamentos, tiveram público acima de 100 mil espectadores, 4 atingiram 50 mil. Quase 100 filmes conseguiram público de 10 mil espectadores e quase 50 filmes tiveram menos de mil bilhetes vendidos.

Cerca de 184 milhões de espectadores foram ao cinema entre 2016 e 2017 tendo gerado uma renda bruta próxima de R$ 2,5 bilhões. Os filmes nacionais participaram com R$ 30,4 milhões desse total tendo Os Dez Mandamentos na liderança da venda de bilhetes.

Para se ter ideia da diferença, em 2009 o filme Avatar faturou quase U$ 3 bilhões em todo mundo e U$ 760 milhões só nos Estados Unidos. A bilheteria mundial de Titanic, em 1997, foi de U$ 2.8 bilhões e U$ 760 milhões em solo americano. Star Wars, de 2015 segue o mesmo caminho. Isso em dólares. O filme Jogos Vorazes (2013), colocado em 49º das melhores bilheterias de Hollywood faturou US$ 865 milhões (mundo) e US$ 424.7 milhões (salas americanas). 

O diretor Domingos Oliveira, em depoimento para o Globo diz que esse fracasso "é fruto de uma política de financiamentos sem eixo ou estratégia". Ele mesmo comenta o fiasco comercial do seu filme BR 716 - estrelado por Caio Blat e Sophie Charlotte - premiado em festivais e fracassado nas bilheterias.

— Recebemos, desde o primeiro dia, elogios inacreditáveis. No entanto, o filme é um estranho fracasso. Lotou as pouquíssimas salas em que esteve disputando espaço com os outros 142 porque não encontrou nenhuma distribuidora interessada, ainda que de pequeno porte, resultando numa bilheteria baixa. Lançamos o filme nós mesmos, perdemos dinheiro. O fato de “BR 716” não ser um produto autossustentável é o que chamo de escândalo — disse Domingos para o jornal O Globo.

As maiores bilheterias são Os dez Mandamentos (12 milhões), Tropa de Elite 2 (11 milhões), Minha Mãe é uma Peça (10 milhões), Se eu fosse Você 2 (6 milhões), Dois filhos de Francisco (5 milhões), De pernas pro Ar e Carandiru (4,8 milhões).

Porque o cinema nacional deve ter financiamento público se é puramente atividade econômica de interesse privado? Cinema é um negócio privado que deve dar lucros e deve ser administrado por profissionais e não por filósofos? Faltam distribuidores?

Hollywood depende unicamente de lotar salas e vender produtos associados aos seus lançamentos e para atrair espectadores é preciso bons roteiros e bons profissionais na produção, finalização, negociação com distribuidoras e no marketing. Cinema é negócio. É tudo que falta no cinema nacional.

Na contramão de tudo isso os sonhadores brasileiros esperam o aparecimento de distribuidoras e exibidoras que "apostem em produções independentes e autorais" abrindo salas que mantenham mais tempo filmes nacionais para atrair público. Porque a iniciativa privada se disporia a perder dinheiro se o objetivo de quem produz também é de faturar? Atrair espectadores não depende do tempo de permanência do filme, mas de um bom roteiro. É o que falta no cinema do país, segundo o produtor Dov Simens:

- Vocês não sabem contar histórias. Não têm experiência. Neste momento, são bebês nisso. E não se comparem a Hollywood: nós podemos ganhar dinheiro com qualquer coisa. O novo Super-Homem é um tédio, ninguém dá à mínima para a história. Mas, faz dinheiro.

Claro que, exageros à parte, Simens critica o amadorismo de como se leva o cinema nacional - muita filosofia, ideologia e péssimos roteiros - quando diz que só é preciso duas semanas para se escrever um roteiro. "Não entendo esses idiotas que vão aos festivais e dizem que trabalharam naquele projeto durante dois anos. Os Estados Unidos não vão te contratar se você vai levar dois anos para escrever um roteiro. São duas semanas. Tem gente aqui fazendo roteiro em duas semanas? Nem de longe" - critica Simens.

Ele diz que não há indústria de cinema no Brasil e que "o paísl é viciado em financiamento de filmes com dinheiro público". Sobre ausência de distribuidoras, Simens, falando para o iG, bate pesado:

- É só assinar um cheque. Como vocês não sabem isso? É tão simples. O negócio das salas de cinema é alugar cadeiras e vender doces. Se você quer seu filme no cinema, alugue. É óbvio. Acho fascinante que vocês não façam isso aqui. Pague. É um negócio. Vocês querem que os filmes de vocês sejam exibidos nos Estados Unidos? Aluguem nossos cinemas. Simples assim.

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Cinema brasileiro está viciado em financiamento público

Ex-professor de Tarantino e Spike Lee, norte-americano Dov Simens defende modo de produção privado para realizar filmes. Foto iG. 
Por Edson Joel Hirano Kamakura de Souza

Para Dov Simens - ex-professor de Tarantino e Spike - o cinema brasileiro está viciado em financiamento público para seus filmes ao contrário do que ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos, onde a iniciativa privada busca recursos fora do eixo governamental para suas megas produções com mercado mundial. A Motion Picture Association of America diz que as seis indústrias que representa geram mais de 2 milhões de empregos além de contribuir com bilhões de dólares para a economia do país.

Ele tem percorrido o mundo pregando como se faz uma produção privada, sem depender dos editais públicos para gerar recursos para produções. Suas aulas não são artísticas, mas de negócios. Ele, de início, aconselha: roteiro simples com locação única e poucos atores.

Numa entrevista ao IG, em 2013, Simens diz que os produtores brasileiros "estão totalmente viciados no governo e no socialismo em termos de financiamento e negam a figura do empreendedor".

Ele defende o uso de merchandising como maneira de fazer entrar dinheiro no filme (atores usando carros de determinada marca ou o momento dramático da explosão ocorre frente a um grande luminoso da Pepsi, Sony...). 

iG: Mas como conseguir o dinheiro para começar, sem ajuda do governo?

Simens: É preciso começar de baixo. Se quer que um estúdio de Hollywood te dê US$ 100 milhões (R$ 217,5 milhões) para fazer um filme, primeiro precisa fazer um de US$ 20 milhões (R$ 43,5 milhões) que dê lucro. Se não tem esse dinheiro, faça um de US$ 2 milhões (R$ 4,3 milhões) que dê lucro. Se também não tem esse dinheiro, faça um de US$ 200 mil (R$ 435 mil) ou de US$ 20 mil (R$ 43,5 mil). Se não tem US$ 20 mil, arrume um emprego. Trabalhe no Starbucks, economize. Estamos no capitalismo, não no socialismo. E há muitos milionários aqui que dão dinheiro para o balé e a ópera. O que ganham em troca? Nada. É possível apresentar projetos de cinema para eles, principalmente se estamos falando de US$ 10 mil ou US$ 20 mil. Ensino a fazer isso e, se for preciso, o crowdsourcing (modelo de negócios que arrecada dinheiro geralmente por doações online). Fiz isso apenas como experiência, como professor. Coloquei um vídeo na internet e expliquei o que queria. Em três dias tinha US$ 50 mil (R$ 108,7 mil), que depois devolvi.

iG: Um dos maiores problemas do cinema brasileiro hoje é a distribuição, já que o mercado fica principalmente nas mãos dos grandes lançamentos. Depois de conseguir produzir o filme independente, como fazer para que ele chegue às salas?

Simens: É só assinar um cheque. Como vocês não sabem isso? É tão simples. O negócio das salas de cinema é alugar cadeiras e vender doces. Se você quer seu filme no cinema, alugue. É óbvio. Acho fascinante que vocês não façam isso aqui. É claro que pode acontecer de naquela semana um cinema de dez salas não querer alugar uma delas para você, por mais que você pague, pois acredita que pode fazer mais dinheiro com outros filmes. É possível. Então por que você não lança o seu na semana que vem? É uma negociação. Não posso te dar uma resposta exata, mas preciso te deixar pensando: você pode lançar seu filme. Pague. É um negócio. Vocês querem que os filmes de vocês sejam exibidos nos Estados Unidos? Aluguem nossos cinemas. Simples assim.

iG: Acha que há mais espaço para o cinema brasileiro no exterior?

Simens: Tenho certeza de que vocês têm outros filmes bons além de "Central do Brasil" e "Cidade de Deus". Tenho certeza de que vocês têm histórias maravilhosas. Vocês fizeram cerca de 90 filmes no ano passado. Tenho certeza de que os americanos gostariam de quatro ou cinco. Mas os nossos distribuidores e nossos cinemas não vão pagar você, não vão levar você para os Estados Unidos, não vão fazer o seu marketing. Isso é burrice. Vocês pagam a gente. Se vocês querem filmes brasileiros nos Estados Unidos, aluguem nossos cinemas. E isso também agregará valor ao longa. Se tiver distribuição nos EUA, se tiver resenhas lá, se sairá melhor aqui no Brasil.

iG: Os festivais não são uma boa maneira de vender o filme para o exterior?

Simens: Há 25 anos existiam uns 12 festivais no mundo. Hoje, há entre 2 mil e 3 mil. Os representantes das distribuidoras vão a no máximo 20. Só importa se você for a um destes 20.

iG: Cineastas como Fernando Meirelles e Moacyr Góes disseram que faltam bons roteiros no Brasil . Como desenvolvê-los?

Simens: Vocês não sabem contar histórias. Não têm experiência. Neste momento, são bebês nisso. E não se comparem a Hollywood: nós podemos ganhar dinheiro com qualquer coisa. O novo Super-Homem é um tédio, ninguém dá à mínima para a história. Mas faz dinheiro. Então não se comparem com os blockbusters. Um roteiro de 90 páginas tem cerca de 50 cenas. A cada duas páginas, é preciso mudar algo. Não pode ser linear, tem de ser uma montanha-russa. Acho que ninguém aqui sabe disso. E só é preciso duas semanas para escrever um roteiro. Não entendo esses idiotas que vão aos festivais e dizem que trabalharam naquele projeto durante dois anos. Os Estados Unidos não vão te contratar se você vai levar dois anos para escrever um roteiro. São duas semanas. Tem gente aqui fazendo roteiro em duas semanas? Nem de longe.

iG: Acha que a parceria com a televisão pode ser boa para o cinema brasileiro?

Simens: São duas indústrias diferentes, mas interligadas. Os empregos estão na televisão. Vocês aprenderam a fazer novelas. Fazem muito bem, são os reis das novelas. E aprenderam a vendê-las para a Coreia, o Japão, as Filipinas, que as traduzem para seu próprio idioma. Isso é um negócio, uma indústria estabelecida. Fazer televisão é mais difícil do que cinema, porque você tem o tempo exato, os comerciais. Qualquer um que consegue fazer uma sitcom de meia hora ou um drama de uma hora para a televisão consegue fazer um filme, porque trabalha pensando na eficiência. Sua indústria televisiva é ótima, mas também vai desaparecer. Porque com coisas como Tivo e DVR, que permitem gravar os programas, ninguém vai assistir aos comerciais e o dinheiro dos anúncios vai desaparecer. Os anúncios estão saindo da TV e indo para os filmes, inseridos como merchandising. Aqui a televisão sabe conseguir financiamento com anúncio, mas o cinema não. Nos EUA, os filmes se pagam em parte com anúncios. Você viu o novo "Super-Homem"? Aparece Mc Donald's, Sears...

iG: Mas não há o risco de ficar com cara de comercial?

Simens: Sempre que alguém me pergunta qual é meu filme preferido, respondo que é qualquer um que dê lucro. Acho uma resposta boa e correta. Mas geralmente as pessoas insistem e digo que, nos últimos dez anos, meu filme favorito é "Sex and The City 2". Achei incrível e não era nada além de um comercial. Tinha 96 logos naquele filme, cada um pagando entre US$ 300 mil (R$ 652,7 mil) e US$ 2,3 milhões (R$ 5 milhões) aos produtores e distribuidores. Eles pagaram o filme antes mesmo de fazê-lo. Acho isso genial. Adoro o negócio do cinema, acho mais fascinante do que fazer cinema. A arte, para mim, é o negócio.