Mostrando postagens com marcador Tupã. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Tupã. Mostrar todas as postagens

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Um coronel muito bravo

Cel. Antônio Erasmo Dias - militar, historiador e político - nasceu
em Paraguaçu Pta em 1924 e morreu em 2010.

Por Edson Joel Hirano Kamakura de Souza

Erasmo Dias tinha deixado a Secretaria de Segurança do Estado de São Paulo e se aventurado como deputado federal. O coronel se notabilizara por protagonizar a invasão da PUC, em 1977 e ter sido responsável pelas operações de combate à guerrilha de Carlos Lamarca.

Numa das campanhas para reeleição, Erasmo apareceu em Tupã, pedindo votos. O advogado Hilton Buller Almeida era o anfitrião na recepção ao coronel, em sua casa, no Parque das Nações, em Tupã, três casas acima da minha. Fui avisado da visita e, quase ao lado, segui a pé mesmo com meu gravador. Chamei-o para uma entrevista o que ele prontamente e cortesmente me atendeu.

- Três, dois, um... Coronel Erasmo Dias, ex-secretário da Segurança Pública e atual deputado é recebido em Tupã na residência do Dr. Hilton Buller. Coronel, o que o senhor fez por Tupã ou pela nossa região que o credencie a vir pedir votos por aqui? - perguntei e me afastei, propositalmente, alguns centímetros dele.

- Você é um repórter insolente! - começou a responder o coronel. Você veio aqui para me provocar não para saber das minhas atividades parlamentares. O senhor veio aqui para conturbar... blá, blá, blá... continuou Erasmo, esbravejando como de costume. E cuspindo.

Ele bufou quando o comparei aos políticos paraquedistas que só apareceram nas vésperas de uma eleição. Imagine um coronel bravo? Era ele.

Como já conhecia a peça e aquela reação já era previsível, mantive-me com o braço esticado, segurando o gravador e ouvindo um monte de impropérios. Mantive um sorriso discreto e calmo contrapondo-se com o rosto irado do homem.

He, he, he, nunca vi um coronel tão bravo na minha vida.
Limpei o rosto e fui embora. Rindo muito, confesso.

domingo, 28 de abril de 2013

O Corinthians perdeu o título mas eu não perdi a piada

Por Edson Joel Hirano Kamakura de Souza

As vezes ser criativo é uma necessidade.

O Corinthians estava na final contra o São Paulo FC. Na rádio eu brincava com os são paulinos e no jornal escrevia provocações contra o time adversário. Brincadeiras, apenas.

Na diretoria da empresa onde trabalhava, a Cia Fotográfica Hirano, todos eram são paulinos. Na reunião da sexta me alertaram que, se o timão perdesse, que eu nem me atrevesse aparecer lá. Dito e feito. O Corinthians perdeu o jogo e o título.

Eu não tinha como me ausentar na segunda. E lá fui eu trabalhar. 

Percebi que a multidão de são paulinos me aguardava em frente da empresa... pra me trucidar. Passei direto e procurei uma farmácia que começava erguer as portas e pedi ao farmacêutico Sakae pra enfaixar meu braço e parte do meu rosto e jogar bastante mercúrio cromo. Ele ficou estupefato:

- Joel, você tá louco? Não vejo nenhum machucado.
- Sakae, faça o que te peço e pronto. É questão de vida e morte - brinquei. 
O farmacêutico fez o que pedi, sugerindo com tantos curativos que eu tinha sofrido um acidente. Fui pra firma, entrei pelo estacionamento da diretoria e caminhei, sem ser visto, até minha sala.

Deu oito horas e meu telefone começou a tocar, sem parar. Todos queriam falar comigo. A secretária, orientada, dizia que eu não estava. 

- Cadê o corinthiano? - perguntou o  Diretor Eizi Hirano para minha secretária, ao lado do Paveloski e a cambada são paulina que invadiu a minha sala.

Quando eles me viram enfaixado, braço engessado e um monte de mercúrio e com uma cara de atropelado, levaram um susto. Um baita susto.

- O que foi isso Joel? - perguntou o Eizi, com cara de surpresa e muito dó.
- Mobiliete, uma mobilete me atropelou - contei com a boca torta e demonstrando dor.
- Vou chamar o motorista pra te levar pra casa. Fica lá descansando. Pelo amor de Deus, nem deveria ter vindo. Lamentável! - disse ele.

Eu, todo "machucado", vítima de um acidente, ainda estava lá, trabalhando. Entre comentários do tipo "essas mobiletes são um perigo" todos foram embora e se esqueceram do jogo. E de me gozarem pelo título perdido.

Depois do almoço voltei "normal", sem os falsos curativos.
Entrei e cumprimentei o porteiro mirim que me olhou com cara de surpreso do tipo "ué, cadê os curativos do atropelado". Em um minuto minha sala estava cheia de são paulinos, de novo.

- Filho da puta! A gente morrendo de dó e você tirou um sarro na nossa cara - disseram eles, rindo, porque a vontade de "me matar" já tinha passado. Foi muito engraçado.

As vezes ser criativo é questão de sobrevivência.
He, he, he! Eu morri, mas de rir.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Guiados pela profecia


Por Edson Joel Hirano Kamakura de Souza

Todas as pessoas que entraram no país a partir de 1822 - ano da independência - foram consideradas imigrantes e, anterior a isso, colonizadores. Depois do fim da escravidão e a proibição do tráfico, o movimento imigratório foi considerável alterando demográfica, cultural e economicamente o país. De lá até o ano 2000 foram mais de 6 milhões de imigrantes, a maioria em busca de novas oportunidades.

Da colonização pelos portugueses e escravos a partir de 1500, aos alemães no sul por volta de 1800, passando pela mão de obra de italianos, espanhóis e japoneses e, mais tarde, sírio-libaneses no comércio mais recentemente e outros, o país se transformou.

Com a expansão do do café e o fim da escravidão, faltou mão de obra. Isso fortaleceu a imigração de trabalhadores de outros países mas os governantes brasileiros abertamente discutiam a necessidade de suprir a mão de obra e "civilizar e branquear" a raça brasileira com a facilitação da entrada de imigrantes brancos europeus e criando impedimentos para a chegada de asiáticos e negros ao país. O decreto Nº 528 de 1890, de Deodoro da Fonseca, só liberava a entrada de chineses, japoneses e negros com autorização do Congresso Nacional
.

Capa da Revista Tupã, 2009

A migração naquele período era motivada essencialmente por crises econômicas ao contrário do movimento migratório leto que ocorreu por outro motivo: a profecia que anunciava a liberdade.

Assustados com a chegada do grande Dragão Vermelho - o comunismo vindo de Moscou - os letos batistas começaram a chegar ao Brasil no final do século 19, na região sul guiados por essa profecia. Em 1922 se acercavam de Tupã, na região chamada mais tarde de Varpa, hoje distrito, às margens do rio do Peixe.

Um grupo preferiu viver em comunidade e fundou a Fazenda Palma, o mais completo modelo de socialismo cristão já vivido em terras brasileiras. Tudo que era produzido era consumido com igualdade entre os membros ou vendido e o dinheiro colocado numa caixa - literalmente uma caixa de madeira. Quando alguém necessitava, retirava da caixa o valor suficiente para as suas necessidades e, se houvesse troco, era devolvido na caixa.

O refeitório era comum para todos e um sino - que ainda existe - anunciava as refeições. Uma gráfica produzia bíblias e o local já era dotado de energia elétrica em 1926.

A professora Milia Tupis diz que "eles admiravam tudo aquilo e Palma era totalmente altruísta e com raízes na fé". Hoje a Fazenda foi reaberta como ponto turístico. A professora leta, em seu depoimento para uma revista que produzida em 2009, concluiu: 

Ideal não se passa por herança.

Milia Tupes recostou-se na poltrona, cerrou os olhos e começou a recordar as imagens da Fazenda Palma que conheceu na sua infância.

- Chegando, do lado direito vejo galinhas. Bem lá na curva, a criação de porcos. Na descida eu vejo as casas e flores e mais flores.

Aos 77 anos, a professora aposentada e descendente direta dos colonizadores, tem viva a lembrança do que foi, no passado não muito distante, a experiência do mais puro socialismo cristão que se tem notícia, implantado no país pelo imigrantes letos que chegaram à região muito antes da fundação de Tupã.

Diferentemente dos movimentos migratórios de outros povos, os letos vieram para a américa em busca de liberdade.

Com a chegada da Primeira Grande Guerra Mundial, deportações, fugas, ocupação comunista, fome, morte e desespero varreram toda a Europa, incluindo a Letônia, país que, oprimido política e religiosamente, temia pela chegada do Grande Dragão Vermelho - os russos começavam a construção do seu império.

Guiados por essa profecia, optaram por recomeçar a vida numa terra desconhecida, de paz e longe de repressões, dando origem aos primeiros movimentos migratórios de batistas letos para o Brasil. A partir de 1922, fixaram-se às margens Rio do Peixe onde fundaram a colônia de Varpa.

Após a distribuição de terras entre os primeiros desbravadores, um grupo de 400 imigrantes preferiu viver numa mesma comunidade.

Assim surgiu a corporação evangélica conhecida por Fazenda Palma. “O estatuto da comunidade começa na Bíblia, em Atos dos Apóstolos, onde diz que os 'primeiros cristãos tinham tudo em comum e comiam com alegria”, diz Milia. “Na verdade, o que eles queriam, era fazer uma réplica do comunismo, só que baseado na doutrina cristã. E foi assim por muitos anos”.

“Infelizmente um ideal não se passa por herança. Os descendentes pensam diferente e enxergam outro mundo.”

O começo foi muito difícil para os primeiros que chegaram. Desabituados com o clima, o trabalho exigido era cansativo: construção de abrigos, primeiras roças, abertura de estradas, construção de pontes, derrubada de matas. Homens e mulheres trabalhavam, no início, mais animados, mas, aos poucos, desalentados, devido sobretudo, à alimentação imprópria. Os que chegaram mais tarde foram beneficiados com toda a estrutura da colônia já desbravada.

O trabalho era repartido e tudo era de todos. No começo entrava pouco dinheiro e tudo era colocado numa caixa comum. As pessoas retiravam somente o que precisavam, como por exemplo, para a compra de remédios. Não prestavam contas e isso nem era exigido. O troco era devolvido na caixa.

Isso porque, tudo o que era produzido era igualmente dividido. Mais tarde, homens e mulheres passaram a receber salários. Idosos e crianças também. Casais com mais filhos recebiam mais.

Um sino chamava para as refeições produzidas numa cozinha e refeitório comunitários.  Além do mais puro socialismo cristão os letos trouxeram uma nova cultura com aspectos diferenciados na culinária, artes e tecnologia. Por volta de 1926, bem antes do nascimento de Tupã, Palma produzia sua própria eletricidade aproveitando uma queda d'água e mantinha uma gráfica que produzia livros com edições em português, leto, russo inglês e alemão. 

"E eles sentiam vontade de pregar o evangelho, mas como ninguém sabia ler, eles faziam cartilhas e iam alfabetizando as pessoas para que pudessem ter conhecimento da Bíblia. E, com fé, foram fundando igrejinhas por onde passavam.

Tudo isso funcionou bem com a primeira geração de imigrantes que viram em Palma a possibilidade de uma vida nova, longe das perseguições e da situação política do país de origem.

"Eles admiravam aquilo. Palma era totalmente altruísta e com raízes na fé” - narra Milia, autora de um estudo sócio religioso sobre a colonização, ideais e conflito de gerações.

Das memórias da infância de quem viveu e conviveu ao lado de Palma, "da vida simples, da infância desprendida em que todos se satisfaziam com tão pouco”, Milia diz ter, simplesmente, saudade de tudo.




Turismo rural com muita história


O circuito Caminhos da Letónia leva o turista para conhecer a história da migração leta. comidas típicas, recantos maravilhosos, cachoeiras c hospedagem no mesmo local onde viveram no mais clássico socialismo cristão.

Na mais tradicional hospitalidade leta. o circuito é formado por estabelecimentos que oferecem serviços e apoio ao turista. Orquidário, apiário, geleias, defumados, restaurante com iguanas típicas e o Museu dos Pioneiros Janes Edbergs, com rico acervo dos usos e costumes da terra.

Na Associação Agro-Cultural e Turística de Varpa são expostos os produtos típicos do local como o artesanato e produtos da culinária leta. Fazenda Palma é uma das atrações imperdíveis nessa rota.

Igualmente a Fazenda da Palma, marco inicial da imigração leta no Brasil, oferece aos visitantes banhos de rios e cachoeiras, trilhas, lanchonete, alojamentos, além da oportunidade de visitar as casas históricas, construídas em 1922.

A história está viva dentro da comunidade e a saga vivida pelos primeiros imigrantes em busca da liberdade - fugiram do socialismo soviético e criaram seu próprio sistema comunista, porém sob bases cristãs, emociona e ensina.

Que tal preparar suas férias em Varpa e Palma e desfrutar os encantos da cultura leta?


Revista Tupã foi produzida em 2009 para a comemoração dos 80 anos
Produção Executiva: Maira Andréia de Souza Lopes
Pesquisas e Reportagens: Edson Joel, Marina dos Santos Taveira
Fotos: Matheus Pires
Editor: Edson Joel Hirano Kamakura de Souza