quinta-feira, 14 de maio de 2020

Tubeculose mata um milhão por ano, no mundo.

O Brasil está na lista da Organização Mundial da Saúde que inclui os 20 países com maior incidência de tuberculose e que, juntos, correspondem a 84% dos casos no mundo. Ref. 2016
Por Edson Joel Hirano kamakura de Souza

Mais de um milhão de pessoas morrem, por ano, em todo mundo, vítimas da tuberculose. Índia, Indonésia e China estavam nas três primeiras posições da lista com maior número de casos em todo mundo, em 2016. Nesta mesma relação o Brasil ocupava a 20ª colocação.

A tuberculose é uma doença infecto contagiosa causada pela bactéria Mycobacterium tuberculosis (Bacilo de Koch), que afeta principalmente os pulmões, mas pode ocorrer nos ossos, rins e nas membranas que envolvem o cérebro. Esta doença é uma das 10 que mais matam no planeta e, todos os anos, são registrados 10 milhões de casos.

No Brasil o Ministério da Saúde registrou em 2019 mais de 205 novos casos de contaminações por dia, mais de 73.600 casos por ano. Em 2018 foram registrados 4.490 óbitos por conta da doença.

Em caso de contaminação por Covid-19, os portadores de tuberculose podem ter o quadro de infecção respiratória agravada caso sua doença não estiver sendo adequadamente tratada.

Segundo a Agência Brasil, o principal motivo para a tuberculose provocar tantas mortes no país é justamente o abandono do tratamento. A doença tem cura e o tratamento oferecido no Sistema Único de Saúde dura, em média, seis meses. Apesar da melhora dos sintomas já nas primeiras semanas após início, a cura só é garantida ao final da terapia.

O que é e como se transmite

A tuberculose é uma doença bacteriana infecciosa e afeta principalmente os pulmões. A transmissão ocorre quando as bactérias são espalhadas por gotículas da tosse ou espirro. O maior problema é que a maioria das pessoas infectadas não apresenta sintomas e quando surgem as tosses (algumas vezes com presença de sangue), suor noturno, perda de peso e febre o quadro pode estar avançado. 

O tratamento é feito com antibióticos orientado por médicos e nem sempre é necessário para pacientes assintomáticos.


Como se previnir

- Alimentação com alimentos ricos em fibra e proteínas de legumes e peixes.
- Manter boa ventilação e luz natural em casa.
- Procure seu médico para orientações e ao espirrar/tossir, proteja a boca com um lenço.


Incidência de tuberculose no mundo
estimativa OMS 2016-2020*
País
População
Incidência em milhares
Percentual
Índia
1.310.000
2.840
27,3%
Indonésia
258.000
1.020
9,8%
China
1.380.000
918
8,8%
Nigéria
182.000
586
5,6%
Paquistão
189.000
510
4,9%
África do Sul
54.500
454
4,4%
Bangladesh
161.000
362
3,5%
Filipinas
101.000
324
3,1%
Congo
77.300
250
2,4%
10º
Mianmar
53.900
197
1,9%
11º
Etiópia
99.400
191
1,8%
12º
Tanzânia
53.500
164
1,6%
13º
Moçambique
28.000
154
1,5%
14º
Coréia do Norte
25.200
141
1,4%
15º
Vietnã
93.400
128
1,2%
16º
Tailândia
68.000
117
1,1%
17º
Rússia
143.000
115
1,1%
18º
Quênia
46.100
107
1,0%
19º
Angola
25.000
93
0,9%
20º
Brasil
208.000
84
0,8%
Número de casos nesses países
8.755
84,2%
Total global
10.400
100%
*Fonte: Global tuberculosis report 2016. World Health Organization. Dados organizados pelo CFM a partir das informações da Fig. 2.2 (pág. 12) e Tabela A4.1 (págs. 182-185) / Site do Conselho Federal de Medicina 

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terça-feira, 12 de maio de 2020

A inteligência


Por Edson Joel Hirano Kamakura de Souza

Etimologicamente a palavra "inteligência" vem do latim intelligentia, de intelligere (inteligir, entender, compreender, discernir, entre escolha), portanto, capacidade de escolha de um indivíduo, entre várias possibilidades/hipóteses. E escolher exige capacidade de raciocínio, conhecimento, interpretação, pensamento e compreensão que são as características intelectuais que estruturam a inteligência. Aliada a estas características está a utilização da memória, abstração e imaginação. "Ligere" também significa ler, interpretar palavras.

Resumindo: inteligência é a capacidade mental de um indivíduo de raciocinar, diagnosticar, planejar, solucionar problemas, abstrair, ler e compreender ideias e aprender.

Os testes de inteligência

No início do século surgiram os primeiros testes para aferir a inteligência do ser humano, o chamado de Quociente de Inteligência. A expressão QI foi criado por William Stern, um psicólogo alemão, que montou um laboratório em Hamburgo para estudar a idade mental e cronológica, correlacionando a capacidade intelectual com a idade do indivíduo.

1905 - Pouco antes, o pedagogo e psicólogo francês Alfred Binet, que morreu em 1911, criou um dos primeiros testes para medir a capacidade intelectual das pessoas. O seu teste avaliava a capacidade mental de crianças medindo habilidades como compreensão, razão e julgamento.

1
916 - O psicólogo norte americano Lewis Terman adaptou o teste de Binet incluindo aritmética, vocabulário e memorização. O novo teste chamou-se Stanford-Binet classificando os examinados por níveis de QI.


1927 - Charles Spearman criou o fator de inteligência geral ao relacionar uma variedade de habilidades cognitivas de uma pessoa. Para Spearman as medições do Teste G explicariam 50% da inteligência nos exames.

1949 - David Wechsler, norte americano, criou as escalas de inteligência para crianças e adultos incluindo avaliações de desempenho nos campos da compreensão verbal, espacial, memória e velocidade de processamento. Wechsler não aceitava o conceito de idade mental de William Stern.

1983 - Considerando a cultura de cada país e habilidades verbais do indivíduo testado, a clínica Kaufman criou testes de diagnósticos psicológicos para avaliar o desenvolvimento cognitivo de crianças avaliando planejamento, aprendizado e conhecimento com uso em grupos deficientes, dificuldades de aprendizagem e adequação a minorias culturais e linguísticas.

1983 - O psicólogo norte-americano Howard Gardner apresenta a Teoria das Inteligências Múltiplas: todo indivíduo tem potencial para desenvolver, específica ou combinadas, oito inteligências distintas.


2011 - Estudos desenvolvidos pelo
Centre for Educational Neuroscience e University College London, com escaneamento cerebral de jovens ingleses, mostraram que o QI pode variar, diminuindo ou aumentado no período da adolescência, provando que a habilidade intelectual não é imutável.

Definição de inteligência segundo a Associação Americana de Psicologia, em relatório de 1995

"Os indivíduos diferem na habilidade de entender ideias complexas, de se adaptarem com eficácia ao ambiente, de aprenderem com a experiência, de se engajarem nas várias formas de raciocínio, de superarem obstáculos mediante o pensamento. Embora tais diferenças individuais possam ser substanciais, nunca são completamente consistentes: o desempenho intelectual de uma dada pessoa vai variar em ocasiões distintas, em domínios distintos, a se julgar por critérios distintos. Os conceitos de 'inteligência' são tentativas de aclarar e organizar esse conjunto complexo de fenômenos." 

Definição de inteligência segundo a Mainstream Science on Intelligence, de 1994

"Uma capacidade mental bastante geral que, entre outras coisas, envolve a habilidade de raciocinar, planejar, resolver problemas, pensar de forma abstrata, compreender ideias complexas, aprender rápido e aprender com a experiência. Não é uma mera aprendizagem literária, uma habilidade estritamente acadêmica ou um talento para sair-se bem em provas. Ao contrário disso, o conceito refere-se a uma capacidade mais ampla e mais profunda de compreensão do mundo à sua volta - 'pegar no ar', 'pegar' o sentido das coisas ou 'perceber' uma coisa." 

Inteligências Múltiplas

O psicólogo cognitivo norte americano Howard Gardner, hoje com 76 anos, da Universidade de Harvard, defende a teoria de que a inteligência deve ser compreendida como um conjunto de vários processos mentais que cada individuo possui e pode desenvolver uma ou mais, em áreas específicas, com mais envolvimento.

Inteligência linguística:
Indivíduos com facilidade de expressão oral e escrita.

Inteligência lógica:
Pessoas com domínio do raciocínio lógico (operações matemáticas).

Inteligência espacial:
Indivíduos que dominam espaços/imagens em dimensões 2D/3D em atividades de arquitetura, design gráfico e produção, esportes.

Inteligência motora:
Pessoas com domínio do corpo e seus movimentos com noção especial (profundidade, distância).

Inteligência musical:
Pessoas grande facilidade no domínio e reprodução de sons e produção musical.

Inteligência interpessoal:
Pessoas com facilidade de liderança, assumem compromissos e responsabilidade por resultados, poder de convencimento e de ações.

Inteligência intrapessoal:
Indivíduos com capacidade de auto conhecimento por observação, análise e compreensão de si próprios utilizam ideias para exercer influência sobre outros. 

Inteligência naturalista:
São as pessoas com facilidades de identificar e diferenciar diferentes padrões presentes na natureza.

terça-feira, 21 de abril de 2020

Sem democracia, sem liberdade e sem moral

É impossível, também, pensar em “estado de direito” quando a Justiça funciona como cúmplice integral em atos de delinquência do submundo político.

Por J.R. Guzzo |  A Trombeta  14.04.2020

A democracia morreu no Brasil – se é que chegou a viver algum dia, pois qualquer exame clínico um pouco mais atento mostra que ela já nasceu morta em 22 de setembro de 1988, dia em que começou a valer a Constituição Federal que está em vigor e que é, em geral, considerado como seu marco zero.

Nasceu morta porque quem a escreveu pensou numa coisa só, com obsessão exemplar, desde a redação de sua primeira sílaba: como montar no Brasil um sistema de governo em que um grupo limitado de pessoas fica com 100% do direito legal de tomar decisões — sem ter de pagar jamais pelas consequências do que decide, é claro — e o resto da população fica sem influência prática nenhuma.

É exatamente o que vem acontecendo há quase 32 anos.

No papel, e nos tratados de ciência política, é o governo comandado pela vontade da maioria — e os votos da maioria podem perfeitamente colocar no governo, ou seja lá onde as decisões são tomadas, gente que não tem interesse algum em saber quanto você é livre ou não é. Seu papel é unicamente obedecer às leis e regras que os donos do poder escrevem em benefício próprio, ou dos grupos a quem servem.

No Brasil de hoje não há uma coisa nem outra.

Não há democracia porque quem manda em tudo, faz mais de trinta anos, é uma minoria — a população só é chamada, de dois em dois anos, para votar em eleições nas quais um sistema viciado elege sempre os mesmos, com uma ou outra exceção que não muda nada.

Fechadas as urnas às 5 horas da tarde, todos são mandados de volta para casa e só voltam a abrir a boca dali a dois anos, para fazer a mesma coisa. No meio-tempo, não mandam em absolutamente nada — sem crachá e autorização dos seguranças, não podem nem entrar nos lugares onde estão os que resolvem tudo.

Não há liberdade porque o cidadão só tem a opção de obedecer, esteja ou não de acordo com o que lhe mandam fazer. O momento que o Brasil atravessa agora, com grande parte da população apavorada pelo medo de morrer por causa da covid-19, é exemplar dessa democracia que não vale nada.

Vamos aos testes práticos.
Passa pela cabeça de alguém, por exemplo, que as pessoas estejam de acordo que o Senado alugue por 350 mil reais por mês, sem concorrência, uma “sala VIP” no aeroporto de Brasília, para os senadores não correrem nenhum risco de ficar perto dos cidadãos?

É claro que ninguém está de acordo.
É claro, também, que ninguém pode fazer nada a respeito.
É tudo legal, porque eles escreveram leis dizendo que é legal — inclusive essa falta tão conveniente de concorrência pública, pois estamos num momento de “emergência” na saúde pública.

O que a maioria tem a dizer da recusa do Congresso em abrir mão de um centavo sequer dos bilhões que tem estocados nos fundos “Partidário e Eleitoral”, que roubaram legalmente dos impostos — através de leis que eles mesmos aprovaram?
E a liberdade, aí, como é que fica: alguém é livre, de verdade, para defender seu direito de opor-se a essa aberração?

Não se trata apenas de deputados e senadores.
Como pode haver democracia numa sociedade em que uma comunidade de talvez 25.000 indivíduos, os membros do Poder Judiciário em suas diversas camadas, tem direitos que os demais 200 milhões de brasileiros não têm — e se mantém, na vida real, acima das leis e da obrigação de cumpri-las?

É impossível, também, pensar em “estado de direito” quando a Justiça funciona como cúmplice integral em atos de delinquência do submundo político. No caso dos “fundos”, é óbvio, deu razão ao Congresso — e proibiu seu uso em favor do combate à epidemia.

O país inteiro tem assistido, todos os dias, a demonstrações brutais de tirania por parte de 27 governadores, 5.500 prefeitos, suas polícias e seus fiscais. Com o súbito poder que lhes foi conferido pela epidemia, e com a cumplicidade quase absoluta de juízes e integrantes do Ministério Público, puseram para fora todas as suas neuras ditatoriais.

É a lei que lhes permite isso — a lei que eles próprios, ou a classe política em geral, escreveram. Os exemplos não acabam mais. Todas as edições de Oeste (noticiário), até o fim dos tempos, não serão suficientes para mostrar a soma de desastres que está acontecendo com as liberdades neste país.

Todo o poder de decisão foi dado a grupos muito bem definidos, pela malícia e esperteza de uma Constituição na qual há um número ilimitado de boas intenções e nenhum meio de realizá-las na prática. Ali o cidadão tem direito a tudo — menos o de influir na própria vida e controlar, mesmo por alguns minutos, os que mandam nele.

Todos sabem quem são esses grupos.
Os altos servidores do Estado, as corporações, os grupos de interesse privado, os sindicatos, os criminosos ricos, os saqueadores do Erário, os que desfrutam de direitos que os demais não têm, os políticos — e por aí afora.

As leis são escritas para eles.
Você só paga.

“Eu prefiro um ladrão a um deputado”, diz Walter E. Williams, o economista conservador americano que há décadas devasta a hipocrisia da vida política mundial. “O ladrão, em geral, o rouba uma vez só e vai embora.” Os políticos, porém, estão aí para sempre.
É esse, justamente, nosso problema: enquanto quem mandar no Brasil for o condomínio descrito acima, não haverá nem liberdade real nem democracia efetiva.

O que vale é a manipulação periódica da multidão em eleições que já estão decididas, pelos vícios deliberados do sistema eleitoral, antes de o primeiro voto ser colocado na primeira urna. O resultado concreto disso tudo aparece nas decisões alucinadas que são tomadas aqui como resultado do “funcionamento normal” das chamadas instituições democráticas.

“Como alguma coisa que é imoral, quando feita em particular, se torna moral quando feita coletivamente?”, pergunta Williams. “Por acaso a legalidade confere moralidade a alguma coisa? A escravidão era legal. O apartheid era legal. Os massacres feitos por Hitler, Stalin e Mao foram legais.”

No Brasil o Congresso é legal.
O STF é legal.
O aparelho do Estado é legal.
O que foi para o diabo é o senso moral — junto com a liberdade e a verdadeira democracia.
Brasil, país de tolos.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Toffoli assegura direito de ir e vir de pessoas idosas em Santo André

Nenhuma norma apresentada autoriza a imposição de restrições ao direito de ir e vir de quem quer que seja.

Por Migalhas | sábado, 18 de abril de 2020

O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, negou pedido do município de Santo André/SP contra decisão que havia suspendido decreto sobre restrição à circulação de pessoas de mais de 60 anos de idade, na área de seu território.

O município acionou o Supremo sob a alegação de risco de lesão à ordem, à saúde, à economia e à segurança públicas, por tratar-se de medida de restrição sanitária, editada com o único escopo de impedir a disseminação da covid-19. Mencionou legislações recentemente publicadas, com vistas ao combate dessa pandemia, exemplificando a do estado de São Paulo.

No entanto, Dias Toffoli ressaltou que nenhuma norma apresentada nos autos autoriza a imposição de restrições ao direito de ir e vir de quem quer que seja. Segundo o ministro, o estado de São Paulo editou decreto que apenas recomenda que a circulação de pessoas se limite às necessidades imediatas de alimentação, cuidados de saúde e exercício de atividades essenciais.

O presidente argumentou, ainda, que a medida adotada pelo município deveria estar respaldada em recomendação técnica e fundamentada pela Anvisa. Toffoli reforçou também que as medidas adotadas pelos órgãos públicos devem ocorrer de forma coordenada, capitaneados pelo Ministério da Saúde, órgão federal máximo a cuidar do tema.

Para o ministro, ações isoladas, que atendem apenas a uma parcela da população,

e de uma única localidade, parecem mais dotadas do potencial de ocasionar desorganização na administração pública como um todo, atuando até mesmo de forma contrária à pretendida. “Assim, a decisão regional atacada, ao coartar uma tal atitude estatal, não tem o condão de gerar os alegados riscos de dano à ordem público-administrativa, mas antes de preveni-los”, diz um trecho da decisão.

Processo: STP 175 Veja decisão.

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domingo, 19 de abril de 2020

Decretos são inconstitucionais e podem gerar avalanche por indenizações, diz Jefferson Dias

Por Edson Joel Hirano Kamakura de Souza

O Procurador da República Jefferson Aparecido Dias, do Ministério Público de Marília e um dos mais atuantes na questão da pandemia do Covid-19, foi ouvido na Sessão Aberta do Ministério Público Federal, de São Paulo. Falou sobre o papel dos governos municipal, estadual e federal, do ponto de vista jurídico, das medidas adotadas até agora. 

A principal abordagem é a questão do decreto que instituiu o isolamento social, situação de emergência e o estado de calamidade pública. Jefferson é taxativo: os decretos são inconstitucionais e podem gerar uma avalanche de ações por indenizações.

O que a constituição e a legislação dizem sobre isso? Quem pode declarar situação de emergência e estado de calamidade e qual é o procedimento?

Jefferson Dias
Jefferson Dias: Inicialmente é importante fazer uma observação. O Brasil, ao contrário de alguns países europeus, não adota a figura do decreto autônomo. Significa que no Brasil  o poder regulamentar nas mãos do chefe do poder executivo ele se limita a regulamentar leis existentes, ou seja: o presidente, governador ou prefeito podem editar um decreto apenas para regulamentar uma lei.

Ele não pode inovar no mundo jurídico. Ele não pode impor novas obrigações ao cidadão por meio de decreto. Para essas situações exige-se uma lei e após ser aprovada a lei, pode ser editado um decreto pelo chefe do executivo  - seja ele presidente da república, governador ou prefeito - para regulamentar essa lei. 

Decretos inconstitucionais

Então, de inicio, o que nos temos visto em todas as esferas de governo é a edição de decretos autônomos e, portanto, seriam decretos ilegais ou mesmo decretos inconstitucionais. O decreto só poderia vir para regulamentar uma lei e, praticamente em todas as situações, nós não temos essa lei precedente. O que nós temos é um decreto que inova no mundo jurídico e inovando  o mundo jurídico, ele acaba, portanto, violando a constituição e, por isso também, violando as leis pelo fato de não ter nenhuma lei que o ampara.

Além disso é importante dizer que a nossa constituição não prevê a expressão situação de emergência. O que nos temos na constituição é, sim, situação de calamidade pública. Ela está prevista no artigo 136 que a respeito de Estado de Defesa. Então, nessa circunstância, é possível a decretação de estado de defesa, pelo presidente da República, depois de ouvir o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional. Aí, sim, por força de decreto, impondo algumas restrições, restrição de reunião, de sigilo de correspondência,  de sigilo de comunicação, claro, tudo isso de acordo com a situação específica de acordo com o que se exige para aquele momento. 

Neste primeiro momento, o que nós teríamos? Além de necessidades de leis para impor restrições, nós teríamos a possibilidade de, também, o Presidente da República, por meio de decretação de Estado de Defesa, ai sim, impor algumas restrições por meio de decreto. Mas, da mesma forma se nós não tivermos uma lei definindo essa calamidade pública impondo restrições também não teremos essa situação de decretação de Estado de Defesa.

As medidas anunciadas por parte do governo federal e dos estados e municípios tem gerado um conflito federativo que em muitos casos até atrapalha as ações de saúde pública. Como o senhor analisa esta conjuntura do ponto de vista jurídico?

Jefferson Dias: É verdade, as pessoas que hoje veem os meios de comunicação veem uma situação bastante interessante, no mínimo, pra se dizer porque, as três esferas de governo tem decretado situação de emergência e adotado medidas diversas virando até um certo conflito federativo. O que é importante nós termos em mente é que, em regra, a nossa constituição não estabelece uma hierarquia entre as normas editadas pela união, estados e municípios. O que a constituição estabelece são âmbitos de competência. Então ela estabelece o âmbito de competência da União, do Município e o que sobra é do Estado.

Isso é um ponto interessante. A nossa federação é fruto de um movimento bastante peculiar. Por que? Os poderes foram concentrados, praticamente a maioria deles, na União que tem o poder de adotar medidas gerais, de coordenação, então tem muito poder concentrado na mão da União. E, nas mãos do municípios, legislar sobre interesse local. Sobra para o Estado uma competência remanescente ou residual; então ele pode legislar aquele espaço entre a União e os Municípios que não é muita coisa, não é verdade é muito pouco. Nos não somos iguais a outros países, por exemplo os Estados Unidos em que a grande parte das competências está nas mãos dos governadores. No nosso caso, não,  a maioria das competências está na mão da União.  Tanto que o estado de defesa, regulamentar transporte aéreo, várias outras temáticas estão nas mãos do governo federal.

Invasão de competências e decretos inconstitucionais

Mas, na pratica nós temos vistos, sim, uma invasão enorme de competências. Até alguns absurdos jurídicos: nós temos atos de governadores de estado fechando aeroportos federais, temos atos de governadores de estado restringindo a liberdade de ir e vir, impondo fechamento de praias o que seria impossível de se feito por meio de um decreto. Ainda mais um decreto estadual. Claro, poderia se discutir até que algumas dessas restrições sejam impostas por meio de lei, mas ai com competências próprias, a maioria delas nãos mãos da União.

Decisões esdrúxulas 

Mas tem ainda situações mais esdrúxulas: decisões de prefeitos, por exemplo, por meio de decretos, proibindo idosos de sair de casa. Impondo uma restrição plena ao direito de ir e vir de pessoas idosas o que também é inconstitucional porque viola a constituição de forma frontal, de forma incabível, impossível.

Qual é a saída jurídica para essas questões de conflitos apontadas pelo senhor e inclusive das críticas da comunidade médica e científica sobre a atuação do governo federal diante da crise que teriam gerado decisões dos governos estaduais?

Jefferson Dias: Na verdade o que deveríamos ter é uma coordenação nacional em conjunto com Estados e Municípios. A própria constituição estabelece isso, ela busca essa lógica ao estabelecer que cabe a União, em certa medida, coordenar, planejar e prover defesa permanente contra calamidades públicas, lá no artigo 21. Então, é uma competência da União

O que deveria estar acontecendo é uma atuação integrada de União, Estados e Municípios, analisando a situação caso a caso, analisando a situação de cada Estado e de cada Município. Porque isso é importante? Porque a situação não é idêntica em São Paulo, no Rio de Janeiro e em outros estados do norte e nordeste, sul, sudeste. Os municípios tem particularidades, tem situações peculiares. E ai, cada uma das esferas de governo, dentro das suas atribuições adotar as medidas que são cabíveis. Se for o caso decretando estado de defesa, seguindo o ritual estabelecido pela constituição, sim, aprovando leis necessárias para a condução dessa fase de pandemia e aprovando leis e não apenas decretos. Decretos que muitas vezes são infundados e não se amparam em leis anteriores e avançam sobre competências de outras esferas de governo.

Interesses ocultos e não declarados

Como não temos essa atuação integrada e, aparentemente, os interesses envolvidos são muito diversos daqueles que republicamente deveriam estar envolvidos, ou seja, a condução do país no momento de pandemia, parece que isso não é o primeiro objetivo buscado por muitos dos governantes, existem outros interesses ocultos e não declarados que conduzem o país nesse momento, então, em razão disso nós vivemos essa situação de grande insegurança jurídica.

Busca desenfreada por indenizações

O que mais me preocupa, sou sincero, qual será o rescaldo disso. O que vai sobrar disso. Porque, como estão sendo impostas muitas restrições ilegais, muitas restrições por meio de medidas, de normas, tenho certeza que, mais cedo ou mais tarde serão declaradas inconstitucionais, é bem provável que muitas dessas medidas gerem um grande incremento no número de ações. Então teremos uma busca desenfreada por indenizações, uma busca desenfreada por questionamentos judiciais com relação a situações atípicas que foram impostas de forma inconstitucional.

O ônus desses desmandos

Então isso deve gerar, no futuro, um rescaldo bastante oneroso para o cidadão brasileiro, cidadão que já teve que arcar com as consequências da pandemia, tem que arcar com as consequências de um isolamento que não seguem bem os padrões que deveria seguir, um isolamento que tem uma divergência politico ideológica nele também envolvida, pior do que isso, ainda o cidadão vai ter que arcar com o ônus desses desmandos, desses atos ilegais, desses atos inconstitucionais porque a conta vai chegar. 

A pessoa que foi prejudicada por essas medidas ilegais, por essas medidas inconstitucionais provavelmente judicializará as suas demandas e existe um grande risco o poder público ser condenado a indenizar. Como o poder público não gera recursos, o Estado não gera recurso próprio, ele administra recursos que angaria dos seus cidadãos é bem provável que o cidadão pague a conta.

O que o ordenamento jurídico prevê quanto a margem de autonomia dos Estados e Municípios, no âmbito do SUS?

Jefferson Dias: Nesse ponto de atuação integrada, me parece que isso também deveria envolver o SUS. É verdade que o SUS impõe, digamos, responsabilidades solidárias entre União, Estados e Municípios. Mas, mais uma vez, a coordenação deveria caber a União com a colaboração dos Estados e com a visão peculiar, a visão local dos Municípios.

Lamentavelmente nós não temos muito bem uma política nacional, nós não temos testes suficientes, nós não temos respiradores suficientes, nós não temos uma coordenação nível nacional eficiente e eficaz.

Omissão dos prefeitos

Jefferson Dias: Além disso, em nível estadual nós temos uma equalização que me parece inadequada, todos os municípios estão sendo tratados de forma igualitária, salvo algumas exceções como é o caso do Rio de Janeiro que adotou algumas medidas diferenciadas para cada um dos municípios. Além disso nós temos uma postura inadequada em âmbito estadual, me parece porque não leva em consideração as características de cada um dos municípios, nós temos uma falta de coordenação em âmbito nacional e temos uma omissão do chefe do poder executivo municipal que, vendo a briga entre Estados e União prefere ficar quieto e não adotar nenhuma medida. Ao não adotar nenhuma medida ele acaba dando sinais contraditórios, ora adotando uma postura na linha do que defende o governo federa , ora em prol ou do que defende o governo estadual.

Então nós temos uma verdadeira desconexão. Na verdade nos temos uma atuação totalmente não integrada e o SUS, mais uma vez sofre as consequências. Os recursos são distribuídos de forma inadequada, concentrada em alguns lugares e faltando em outros lugares e sem uma gestão mais eficiente dos recursos públicos.


Então, em razão disso, poderemos ter consequências mais graves apesar de termos condições de enfrentarmos a pandemia, pode ser que tenhamos condições em alguns lugares, até leitos ociosos, e em outros falta de leitos. Seria importante, então, mais uma vez, uma atuação integrada que possamos, todos juntos, como nação enfrentar esses desafios, que possamos deixar momentaneamente os interesses pessoais de lado e pensarmos de forma mais republicana.

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