sábado, 26 de novembro de 2016

Havana. Como me dóis!


YOANI SÁNCHEZ, La Habana | 16/11/2014
Posted on Janeiro 11, 2015 by H. Sisley

Ser “habanero” não é ter nascido numa cidade, é levar essa região nas costas e não poder se desligar dela. Na primeira vez em que me dei conta de que pertencia a esta cidade eu tinha sete anos. Estava num pequeno povoado de Villa Clara, tratando de alcançar umas goiabas num galho quando um monte de crianças daquele lugar rodeou a mim e a minha irmã. “São de Havana! São de La Habana!” berravam. Nesse instante não entendíamos tanto alvoroço, porém com o tempo nos demos conta que nos havia tocado um triste privilégio: haver nascido nesta urbe em declínio, nesta cidade cujo maior atrativo é o que pôde ser e não o que é.

Sou totalmente urbana, citadina. Criei-me num local do bairro Cayo Hueso onde as árvores mais próximas ficavam a mais de quinhentos metros. Sinto-me filha do asfalto, do odor de querosene, dos varais que gotejam nas varandas e das tubulações de alvenaria que transbordam de vez em quando. Esta nunca foi uma cidade fácil. Nem sequer nos postais para turistas com suas cores retocadas se pode ver uma Havana cômoda e que possa ser resumida.

Às vezes já não quero caminhar por ela, porque me dói. Vou subindo pela Belascoaín e as minhas costas o mar fica com essa brisa que conheço tão bem. Chego à esquina da Rua Reina. Há uma igreja no estilo gótico que quando menina me dava a impressão que se perdia entre as nuvens. Ali vi pela primeira vez, quando tinha dezessete anos, uma árvore de Natal. Avanço pelos portais dando um pulo aqui e outro lá. Fios de água correm de algumas escadas e uma senhora tenta me vender uns doces de leite que têm a mesma cor da rua.

Havana é uma cidade de gritos e sussurros. Quem só ouve sua tagarelice nunca poderá escutar os seus cochichos.

Já vejo o sinal de trânsito de Galiano, porém o passo se torna mais lento porque há muita gente. Um policial dobra a esquina e alguns se escondem atrás das portas ou entram nas lojas como se fossem comprar algo. Quando o guarda se for voltarão a oferecer suas mercadorias num murmúrio. Porque Havana é uma cidade de gritos e sussurros. Quem só ouve sua tagarelice nunca poderá escutar os seus cochichos. O mais importante é sempre dito com um sinal, um gesto ou um simples movimento dos lábios que te adverte: “cuidado, aí vem, siga-me”. Uma linguagem desenvolvida em décadas de clandestinidade e ilegalidade.

A Rua Netuno está próxima. Ouvi um casal de anciãos dizer em frente a uma fachada: “Ha, não era aqui que ficava…?” Porém não consegui ouvir o final da frase. Melhor assim, porque Havana é uma sequencia de nostalgias e recordações. Quando alguém caminha é como se transitasse por um caminho de perdas. Onde desaba um edifício se mantém os escombros por dias ou por semanas. Depois fazem um estacionamento no buraco que restou ou colocam um quiosque metálico para vender sabonetes, miudezas e rum. Muito rum, porque esta é uma cidade que afoga seus sofrimentos em álcool.

 Esta é uma cidade que afoga seus sofrimentos em álcool 

Chego ao malecón. Em menos de meia hora percorri a porção da cidade que, na minha infância, parecia conter toda a urbe. Porque fui uma “camponesa de Centro Havana”, dessas que pensam que depois da Rua Infanta começam “as zonas verdes”. Com o tempo compreendi que esta capital é muito grande para se conhecer. Também soube que a mesma sensação de dor é percebida por quem nasceu em Diez de Octubre, El Cerro, El Vedado ou Marianao. Dá no mesmo, Havana mostra suas feridas em qualquer bairro.

Toco o muro que nos separa do mar. É áspero e quente. Onde estarão aquelas criancinhas que na minha infância – e num povoado diminuto – olhavam-me assombradas porque eu era “habanera”? Desejarão carregar este fardo? Terão também terminado nesta urbe, vivendo entre suas latas de lixo e suas luzes? Dói-lhes tanto como a mim? Estou certa que sim, porque La Habana não é só essa localidade escrita em nosso documento de identidade. Esta cidade é uma cruz que se leva a todas as partes, uma região em que uma vez que nela viveste já não te abandona.

Tradução por Humberto Sisley