PROMOTOR DE JUSTIÇA PEDRO ABI-EÇAB: Há fatos históricos muito antigos para o enraizamento da corrupção no país. Sérgio Buarque de Hollanda em “Raízes do Brasil”, para citar um exemplo, pormenoriza as origens do problema, notadamente na formação de nossa sociedade, a partir de um modelo de colonialismo predatório e escravocrata, sem qualquer preocupação em edificar um modo de vida sólido. Nunca houve preocupação, por parte dos Estados português e brasileiro, com a educação, ciência e meritocracia. Muito pelo contrário. Livros e ensino eram proibidos, a “moral das senzalas” privilegiava os subservientes e punia os que reclamavam seus direitos. Os laços de sangue valiam mais do que a eficiência. O Estado brasileiro, infelizmente, ainda reproduz este modelo.
ESTADO: QUAL O CAMINHO PARA EVITAR A AÇÃO DO CRIME ORGANIZADO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA?
PEDRO ABI-EÇAB: Em primeiro lugar, nosso sistema eleitoral favorece a prostituição do mandato, através de uma máquina caríssima e distante do povo, embora próxima dos grandes financiadores de campanha. Depois disso, subsiste a cultura de ineficiência no Poder Público: os órgãos incumbidos de fiscalizar e combater a corrupção pouco se falam, desconfiam um do outro, não estão interligados. Investigar se torna uma atividade artesanal e burocrática. Esta mentalidade em que o ritual vale mais que o conteúdo está impregnada em toda a administração pública.
ESTADO: EXPLIQUE SUA ESTRATÉGIA ESTADUAL DE COMBATE À CORRUPÇÃO. O QUE O INSPIROU?
PEDRO ABI-EÇAB: É fundamental atacar o problema pela raiz e pensar de forma inovadora e simplificadora. A corrupção deve ser combatida simultaneamente de modo repressivo e preventivo. Um sem o outro não dá certo. Preventivamente é preciso agir de modo uniforme, padronizado, a fim de obter melhores resultados e zelar pela segurança jurídica. A Estratégia selecionou 4 eixos de atuação. O projeto deve ter começo, meio e fim. Implantar portais de transparência na internet, obrigar os entes públicos a cumprir a lei que exige apresentação anual de declaração de bens de funcionários públicos e agentes políticos, combater cessão irregular de funcionários entre órgãos públicos e implantar sistemas de controle de gastos de combustível. São ações fáceis e baratas de realizar e com resultados práticos.
ESTADO: QUAIS OS RESULTADOS PRÁTICOS DE SUA PROPOSTA?
PEDRO ABI-EÇAB: Os portais de transparência possibilitam que a população tenha acesso a informações e fiscalize os órgãos públicos. Além disso, não é caro manter uma página na internet. O controle de combustível, além de evitar desvios, diminui um problema recorrente em municípios pequenos: o comércio de vale-gasolina em eleições, como moeda de compra de votos. Acompanhando o patrimônio dos agentes públicos é possível detectar casos de enriquecimento ilegal.
ESTADO: PRISÃO INIBE CORRUPTO E CORRUPTOR?
PEDRO ABI-EÇAB: Com certeza, a sociedade e o ser humano ainda não atingiram um grau ético em que o aprendizado ocorre sem sanção. Pelo menos no Brasil. A prisão, juntamente com confisco de bens, perda de cargo público, é absolutamente necessária.
ESTADO: O PAÍS RECLAMA QUE ‘COLARINHO BRANCO’ NÃO VAI PARA A PRISÃO. PORQUE NÃO VAI?
PEDRO ABI-EÇAB: Um diagnóstico feito salvo engano pela ONU há algumas décadas alertava que a corrupção era difícil de ser combatida pois o fiscalizador pertence à mesma classe social do fiscalizado. Quando se tratava de ‘prender pobre’, não havia este obstáculo, pois, como dizia um famoso filme italiano, eles eram ‘feios, sujos e malvados’. O colarinho branco não apenas pertence à mesma classe social como chega a fascinar, a ser invejado por parte da sociedade como um modelo de sucesso. Há inúmeros exemplos recentes no País. Por esta razão o corrupto fica na rua e os ladrões de mercadinhos estão na cadeia. A lei reflete essa cultura: o furto com arrombamento tem praticamente a mesma pena que o peculato, segundo nosso Código Penal.
ESTADO: PENA DE MORTE PARA CORRUPTO QUE DESVIA DINHEIRO DA SAÚDE E DA EDUCAÇÃO?
PEDRO ABI-EÇAB: Nossa Constituição veda pena de morte e os países civilizados não a adotam. Mesmo se houvesse, penas altas não assustam, pois não são cumpridas. Se mal cumprimos as ridículas penas hoje existentes, o corrupto daria risada da pena de morte.
ESTADO: ONDE RESIDE A MAIOR DIFICULDADE NA INVESTIGAÇÃO SOBRE CORRUPÇÃO?
PEDRO ABI-EÇAB: Na falta de boas leis, de eficiência e cooperação entre os órgãos de fiscalização e investigação, e na mentalidade obtusa da maioria dos agentes públicos, fruto de uma formação deficiente.
ESTADO: FALTA COLABORAÇÃO DENTRO DO PRÓPRIO PODER PÚBLICO?
PEDRO ABI-EÇAB: Sem dúvida. Um órgão não confia no outro. Não há bancos de dados unificados que possibilitem pesquisas instantâneas. As investigações são feitas com muito papel, duram anos, custam caro, e são pouco eficientes.
ESTADO: A PRISÃO DOS MENSALEIROS TRAZ QUE TIPO DE CONSEQUÊNCIA? É CASO ISOLADO?
PEDRO ABI-EÇAB: É um fato histórico, que alguns estudiosos apontam como um sinal de refundação do Estado. Deixam de existir intocáveis, o patrimônio do povo passa a ser resguardado, os mecanismos de poder se alteram. Não existem fatos isolados na História, vivemos um momento de mudança geral de valores, mas muito ainda deve ser feito. Um dia teremos um verdadeiro regime republicano.
ESTADO: POR QUE O BRASIL NÃO CRIA UM PACOTE DE MEDIDAS ANTICORRUPÇÃO?
PEDRO ABI-EÇAB: Porque aqui isso nunca foi prioridade de Estado, embora a sociedade já tenha ido às ruas recentemente dizer ‘basta’. Há opções baratas, de implementação razoavelmente simples, e há pessoas nos órgãos fiscalizadores capazes de cumprir a missão. Porém, as escolhas políticas não escutam as vozes dos técnicos. Itália e Colômbia venceram organizações criminosas muito mais perigosas, porque houve escolhas políticas corajosas e mudou-se a mentalidade.