Assistência à saúde, que antes da revolução já foi modelo para o mundo, sofre colapso
Leda Balbino, enviada a Havana, Cuba | 19/10/2010 08:03
Ao entrar na ala de atendimento do Hospital Calixto García, em Havana, o visitante não consegue ignorar o cheiro de urina. Inicialmente é difícil identificar a origem do odor. Mas após percorrer o corredor, observando no caminho um ventilador gigante que tenta em vão renovar o ar interno e algumas pessoas que se protegem com máscaras, encontra-se no fim um banheiro que parece não ver água há bastante tempo.
Banheiro com péssimas condições de higiene do Hospital Calixto García, em Havana, Cuba / Foto: Leda Balbino
Prédio do Hospital Calixto García (Havana) com as janelas avariadas. Foto: Leda Balbino
Ao ser internados, muitos cubanos levam de casa lençóis e toalhas para se garantir. Como em alguns hospitais não há água corrente, também relatam levar recipientes com água para que possam tomar banho e escovar os dentes. Quando seu pai teve de ser internado no Hospital Fajardo, uma cubana conta ter comprado um esfregão e produtos de limpeza para higienizar o quarto em que ele ficaria. Mas o banheiro do cômodo não tinha esperança. De tão encardido, o próprio médico a advertiu para que não o banhasse ali. “Se o fizesse, correria o risco de o meu pai pegar uma infecção”, afirmou sob condição de anonimato.
FALTAM MEDICAMENTOS E HIGIENE
FALTAM MEDICAMENTOS E HIGIENE
Além da falta de higiene, boa parte das instalações e equipamentos está deteriorada e faltam medicamentos. Dos cerca de 25 hospitais gerais e especializados de Havana, apenas quatro são apontados como tendo boas condições. Seriam a Clínica Central Cira García, que atende estrangeiros, diplomatas e familiares de cubanos casados com estrangeiros; o Cimeq, que recebe dirigentes e militares; a Clínica 43, que também atende dirigentes; e o Hermanos Ameijeras, onde em 2006 funcionou a Operação Milagre, em que bolivianos e venezuelanos foram tratados em Cuba de doenças oculares sob patrocínio da Venezuela de Hugo Chávez.
Os únicos que escapam incólumes das críticas são os médicos, cujos salários médios equivalem a US$ 25. “Tive de fazer uma operação na vesícula e, apesar das condições do Calixto García, confiei no meu médico. O atendimento é sempre muito bom”, afirmou outra cubana, que fez a ressalva de que o hospital é antigo e recentemente começou a ser reformado.
A mão de obra qualificada vem sendo usada pelo governo no programa “médicos por petróleo”, em que Cuba manda para a Venezuela mais de 30 mil médicos e dentistas para atender à população carente e fornece treinamento a 40 mil funcionários de saúde venezuelanos. Como pagamento, Caracas envia a Cuba 100 mil barris de petróleo por dia.
Ironicamente, o programa vem auxiliando na fuga de cérebros de Cuba. Por causa das dificuldades de trabalho e os problemas econômicos do país, alguns dos médicos enviados à Venezuela usam o país caribenho como rota para fugir para os EUA. Segundo a comunidade de cubanos exilados em Miami, cerca de 2 mil médicos e outros profissionais do setor fugiram do regime desde 2006 e pediram vistos americanos. Destes, 500 vieram da Venezuela só no ano passado.
CRISES ECONÔMICAS
O sistema de saúde totalmente gratuita, que compõe com a educação pública os dois pilares da Revolução, começou a sofrer com a falta de investimento no “período das necessidades especiais”, quando a Ilha parou de receber subsídios após o colapso da aliada União Soviética, em 1991. Na década de 90, outro fator que prejudicou o sistema foi o embargo americano contra Cuba, que dificultou a exportação de remédios e equipamentos para a Ilha.
Com perda de rendimentos na exportação do níquel, por causa da queda nos preços internacionais, e também no turismo, Cuba indicou que o setor de saúde sofrerá ainda mais por causa da atual crise econômica do país. Em 6 de outubro, o jornal estatal Granma anunciou que o governo começou a reduzir “os gastos irracionais” no sistema para alcançar mais eficiência econômica.
Segundo o jornal, a área de saúde passará por um processo de reorganização, compactação e regionalização, indicando que instalações médicas serão fechadas e funcionários do setor estarão entre os mais de 500 mil que serão demitidos até o fim de março de 2011.