"Aqui o sistema é corrupto. Somos uma pequena máfia", diz cubano
Leda Balbino, enviada a Havana, Cuba | 19/10/2010 08:04
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Caixas de charutos roubadas são expostas em prédio de Havana Vieja para venda aos turistas
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O cubano Lázaro, de 36 anos, caminha pelo centro turístico da capital de Cuba, Havana, em busca de turistas para quem possa oferecer supostos charutos legítimos por valores bem abaixo dos cobrados nas lojas oficiais do Estado. Enquanto o preço nos estabelecimentos estatais é de mais de US$ 400 pela caixa com 25 charutos Esplendido, famosos por serem os preferidos do líder Fidel Castro (que parou de fumar depois de ficar doente, em 2006), em uma sala dentro de um prédio carcomido da capital cubana a suposta mesma caixa pode custar US$ 60. E, se o turista hesitar, os donos do negócio não titubeiam em baixar a cifra, dizendo “para você, faço um preço especial”.
Lázaro justifica a atuação no mercado negro dizendo não ser possível a um cubano viver com o salário que o Estado paga. Ele ganha 600 pesos cubanos (25 pesos conversíveis, ou US$ 25), que não chegam ao fim do mês. “Não faz sentido trabalhar. Se me pagam um peso para enrolar um charuto e o vendem por 10, estão me explorando. Aqui em Cuba as pessoas vivem buscando formas de comer”, afirmou.
Questionado se não se preocupa com a polícia, a resposta é rápida: “São dois turnos, e damos um dinheiro para cada um dos policiais para que não nos incomodem. Em Cuba, o sistema é corrupto. Somos uma pequena máfia”, disse.
Com a venda dos charutos, ele ganha em média US$ 20 por cada caixa vendida, pois divide o dinheiro com quem rouba as caixas dos armazéns e com aqueles que o ajudam a tocar o negócio ilícito abertamente nas ruas, recitando para os turistas as marcas que estão à venda: “Montecristo”, "Romeu e Julieta", "Cohiba". Enquanto anunciam os produtos de tabaco, alguns deles também se oferecem às turistas, dizendo, entre beijos, que elas não podem sair de Cuba sem viver a “experiência cubana”.
Além de atuar no mercado negro para aumentar sua renda, Lázaro tirou uma licença para ter um negócio próprio e ganhar mais do que o salário pago na fábrica de tabaco, onde enrola os charutos.
Para poder ser um "reparador de óculos", ele paga US$ 4 dólares mensais de imposto e mais US$ 10 anuais pelo uso do espaço em que trabalha. Ele diz que teve a ideia de tirar a licença porque há meses havia sinais em Cuba de que o governo poderia demitir parte dos funcionários.
Sonho de partir
Não é só o desejo de aumentar sua renda que faz Lázaro abordar estrangeiros nas ruas de Havana, cuja deterioração parece refletir o cansaço da população com o sistema. Ele caminha com a esperança de encontrar turistas dispostos a lhe pagar nem que seja um mojito ou um prato de comida por sua amabilidade e simpatia ou uma mulher estrangeira que o leve de Cuba.
Seu tio, conta, encontrou uma espanhola, “enamorou-se”, casou-se e agora vive com ela na Espanha. “Quem consegue sair também pode ajudar sua família que ficou”, disse.
No entanto, também há outro motivo para que ele tente sair da ilha casado, e não numa balsa ou pelo convite de algum amigo no exterior. O cubano que se casa mantém o direito de ser cubano. Não há represálias. Ele pode sair e não correr o risco, por exemplo, de perder sua casa, sendo possível voltar e visitar a Ilha mais facilmente.
Condutor de bicitáxi passa pela rua O'Reilly: deterioração de capital cubana parece refletir cansaço da população com o regime - Foto: Leda Balbino
O mesmo não ocorre com aqueles que partem com a chamada “carta de invitación”. O prazo limite para ficar no estrangeiro são 11 meses e, enquanto se está fora, é preciso pagar ao Estado uma permissão de saída. Quem não volta é visto como traidor e pode ter confiscados todos os bens.
Além das dificuldades econômicas e da impossibilidade de deixar facilmente o país, Lázaro se ressente com as pressões dentro de Cuba, onde há um delito chamado “assédio ao turista”.
A designação surgiu para tentar coibir a abordagem dos estrangeiros pelos cubanos que, com dificuldades econômicas, os procuram para pedir desde fraldas para seus netos, leite em pó ou maços de cigarro. Muitos também se dispõem a mostrar a cidade com a esperança de ganhar um refresco como pagamento.
O “assédio ao turista” rende alguns dias de detenção, algumas cartas de advertência e até pode acabar em um tempo na prisão. “Tenho 15 cartas de advertência. Mas em que país do mundo é proibido falar com o outro, é proibido abordar um estrangeiro? Como eles podem determinar o que eu quero?”, indagou.
Lázaro se descreve como opositor ao regime dos irmãos Castro. Ao mesmo tempo, porém, não acredita que a população se rebelará para mudar a situação social causada pelo fracasso da política do Estado. “Eles fecharam esse sistema muito bem. As pessoas têm medo.”